Direito Penal x Imparcialidade do Juiz

Direito Penal x Imparcialidade do Juiz

Antes, como preâmbulo, farei uma incursão sobre o nosso Sistema de Justiça.

Para José Eduardo Faria, professor-titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, "a realidade brasileira é incompatível com esse modelo de "Justiça". Iníqua e conflitiva, ela se caracteriza por situações de miséria que negam o princípio da igualdade formal perante a lei, impedem o acesso de parcelas significativas da população aos tribunais e comprometem a efetividade dos direitos fundamentais; pelo aumento do desemprego aberto e oculto; por uma violência e criminalidade urbanas desafiadoras da ordem democrática e oriundas dos setores sociais excluídos da economia formal, para os quais a transgressão cotidiana se converteu na única possibilidade de sobrevivência; por uma apropriação perversa dos recursos públicos, submetendo deserdados de toda sorte a condições hobbesianas de vida; e por um sistema legal incoerente, fragmentário e incapaz de gerar previsibilidade das expectativas, dada a profusão de leis editadas para dar conta de casos específicos e conjunturais e de normas excessivamente singelas para situações altamente complexas".

Como pressuposto de validade do processo, a imparcialidade impõe ao juiz o dever de equidistância entre as partes, compondo a lide  acima delas, sendo, portanto, a primeira condição para que possa o magistrado exercer bem e sem máculas sua função jurisdicional.

Vou aqui me cingir ao campo penal. O Ministério Público, tido e havido pela sociedade como órgão acusador no Direito (o mais correto é usar-se a expressão 'órgão de convicção e não de acusação'), tem um lado, a sociedade, acima de tudo, sendo, portanto na relação processual-penal uma parte parcial. Da mesma forma o advogado de defesa.

Entre o Ministério Público e a defesa coloca-se o magistrado. Que não pode - e nem poderá - agir de forma desproporcional contra os direitos de determinado(a) acusado(a). Ocorrendo parcialidade na instrução processual é msiter que se decrete a nulidade processual.

Cesare de Beccaria, em seu livro clássico “Dos Delitos e Das Penas”, assevera: "O juiz torna-se inimigo do réu, desse homem acorrentado, à mercê dos tormentos, da desolação, e do mais terrível porvir; não busca a verdade do fato, mas busca no prisioneiro o delito, e o insidia, e se considera perdedor se não consegue, e crê estar falhando naquela infalibilidade que o homem se arroga em todas as coisas. Os indícios para a captura estão em poder do juiz; para que alguém seja provado inocente deve antes ser considerado culpado; chama-se isso processo ofensivo, e são esses quase por toda parte da Europa ilustrada do século dezoito, os procedimentos criminais".

O Pacto de São José da Costa Rica, em seu art. 8º, item I, dispõe o seguinte: "Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ele, ou para determinarem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza".

"Democracia – a começar a processual – exige que os sujeitos se assumam ideologicamente. Por esta razão é que não se exige que o legislador, e de consequência o juiz, seja tomado completamente por neutro, mas que procure, à vista dos resultados práticos do direito, assumir um compromisso efetivo com as reais aspirações das bases sociais. Exige-se não mais a neutralidade, mas a clara assunção de  uma  postura  ideológica,  isto é, que  sejam  retiradas as máscaras hipócritas dos discursos neutrais, o que começa pelo domínio da dogmática, apreendida e construída na base da transdisciplinariedade" (colocação jurídica do ínclito processualista e professor-titular da UFPR, Jacinto Coutinho).

Professoralmente, avalia Benigno Núñez Novo, Doutor em Direito Internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, que "a capacidade subjetiva é a qualidade de que o juiz possa agir de acordo com o princípio da imparcialidade. A incapacidade subjetiva do juiz, ao contrário, origina-se da suspeita de imparcialidade e afeta profundamente a relação processual. Para assegurar a imparcialidade do juiz, a Constituição Federal de 1988 estipula garantias (Art. 95, CF) e prescreve vedações aos magistrados (Art. 95, § único, CF).

Na conceituação clássica de Aurélio, imparcialidade é, acima de tudo, equidade, qualidade da pessoa que julga com neutralidade e justiça; característica de quem não toma partido numa situação. E, especialmente no campo do Direito Penal, de quem não toma partido numa questão posta em juízo.

"Contrario sensu", parcialidade é a característica de quem leva em conta sua preferência processual sem se importar com a correta e imperativa distribuição de justiça na busca da verdade processual-penal.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, a imparcialidade nos julgamentos seja na esfera penal ou civil é vista como um direito fundamental: "Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele" (art. X).

Justiça parcial implica em justiça corporativa, vesga, torta, subserviente, ruim, prevaricadora, desonesta, sem-razão, ingrata, iníquia, desigual, insolente, indecente, ... Enfim, "negócio de compadres"!

"Não é a injustiça em si mesmo que nos fere, é o sermos vítimas dela" (Pierre Nicole).

"A injustiça que se faz a um, é uma ameaça a que se faz a todos" (Montesquieu).

Para concluir, socorro-me do primoroso ensinamento do citado professor Benigno Núñez Novo, segundo o qual "a imparcialidade é um valor e um princípio caro ao sistema jurisdicional democrático de modo que as hipóteses de suspeição devem ser consideradas além daquelas enunciadas nos códigos de processo civil e processo penal para abarcar condutas que constituem graves violações da imparcialidade". 

O art. 8º, do Código de Ética da Magistratura, define o magistrado imparcial como aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento e mantém ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito. Logo a seguir, o art. 9º, do mesmo diploma legal, estabelece que, no desempenho de sua atividade, o juiz deve dispensar às partes igualdade de tratamento, vedada, portanto, qualquer espécie de injustificada discriminação.

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