Ministério da Justiça e a exoneração de Sérgio Moro

Ministério da Justiça e a exoneração de Sérgio Moro

Tem gerado muita discussão a exoneração do juiz federal Sérgio Moro em aceitar ser Ministro da Justiça no futuro governo do presidente eleito Jair Bolsonaro.

Uma indagação veio logo à tona: “Assumindo como Ministro da Justiça, Moro permanecerá ou será - a pedido - demitido do cargo de juiz?”

Em nota oficial, o magistrado, mesmo sem ser muito explícito, indica que pedirá demissão. Veja abaixo:

"Fui convidado pelo Sr. Presidente eleito para ser nomeado Ministro da Justiça e da Segurança Pública na próxima gestão. Apos reunião pessoal na qual foram discutidas políticas para a pasta, aceitei o honrado convite. Fiz com certo pesar pois terei que abandonar 22 anos de magistratura. No entanto, a perspectiva de implementar uma forte agenda anti-corrupção e anti-crime organizado, com respeito a Constituição, a lei e aos direitos, levaram-me a tomar esta decisão. Na prática, significa consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar riscos de retrocessos por um bem maior. A Operação Lava Jato seguirá em Curitiba com os valorosos juízes locais. De todo modo, para evitar controvérsias desnecessárias, devo desde logo afastar-me de novas audiências. Na próxima semana, concederei entrevista coletiva com maiores detalhes."

As expressões “Fiz com certo pesar pois terei que abandonar 22 anos de magistratura” pressupõem que o juiz pedirá exoneração do cargo.

Na discussão, sugeriu-se a possibilidade do magistrado se licenciar para exercer a função pública de ministro de Estado. Um cargo eminentemente político-administrativo. E, posteriormente, Sérgio Moro poderia retornar à magistratura. Não é bem assim!

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979), recepcionada pela vigente Constituição Federal, em seu art. 69 somente preceitua três hipóteses para a concessão de licença ao magistrado:

Art. 69 - Conceder-se-á licença:

I - para tratamento de saúde;
II - por motivo de doença em pessoa da família;
III - para repouso à gestante.

Logo a seguir, no art. 71, da mencionada Lei Orgânica, trás uma vedação imperativa e explícita:

Art. 71 - O magistrado licenciado não pode exercer qualquer das suas funções jurisdicionais ou administrativas, nem exercitar qualquer função pública ou particular (vetado).

Em outras palavras, Moro não poderá exercer a função pública de ministro de Estado mesmo que pudesse ser licenciado. Aliás, nas hipóteses de licença trazidas pela lei não há uma só que se encaixe ao exercício de outro cargo ou função por qualquer magistrado, dada a vedação trazida pelo art. 71.

A carreira da magistratura é diferenciada de todas as demais no âmbito do funcionalismo público nacional. Qualquer outro funcionário público – à exceção dos magistrados e dos membros do Ministério Público – poderá licenciar-se do cargo de origem para exercer função pública comissionada a bem do serviço público federal, estadual ou municipal. Ao funcionário-juiz não é permitida essa liberalidade, porquanto exerce cargo diferenciado.

Como bem diz o desembargador Antônio Pessoa Cardoso, do eg. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, “a lei não permite e o juiz não pode desempenhar outro encargo que não seja o de julgar”. Exceção à regra, poderá apenas exercer o cargo de professor, desde que haja compatibilidade de horário e tenha função assemelhada ao cargo de magistrado.

O exercício do cargo de juiz, mesmo quando licenciado este, pressupõe distanciamento e independência. O cargo de ministro é função de governo, é função político-administrativa, que exige lealdade ao chefe, situação que não se coaduna com a independência da magistratura.

Assim, Sérgio Moro não poderá exercer o cargo de Ministro da Justiça sem pedir exoneração da carreira de magistrado. Exercer o cargo de ministro e permanecer como juiz – ainda que na remota hipótese de licença - violaria o princípio da independência funcional. Haja vista que não poderá exercer o cargo de ministro mantendo o cargo de juiz.

Ao elaborar o Código de Ética da Magistratura Nacional, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) faz menção explícita à decisão da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a “independência judicial” como pré-requisito do Estado de Direito e uma garantia fundamental de um julgamento justo. Um juiz, consequentemente, deverá apoiar e ser o exemplo da independência judicial tanto no seu aspecto individual quanto no institucional.

Ao magistrado impõe-se, imperativamente, uma pauta no desempenho de suas atividades. Para que não receba indevidas influências externas e estranhas à justa convicção de formar juízo. A função política do cargo de ministro de Estado, por conseguinte, não casa com a função pública da magistratura, ainda que o juiz esteja licenciado ou em disponibilidade.

Nixonn Freitas Pinheiro é advogado

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