Leia o artigo de Miguel Dias Pinheiro: Bolsonaro e o Direito de Ausência
Leia o artigo de Miguel Dias Pinheiro: Bolsonaro e o Direito de Ausência
Definitivamente, o presidente da República não tem uma assessoria jurídica à altura do cargo que ocupa. Pior! O suposto "Direito de Ausência" usado por Bolsonaro para se esquivar de um depoimento pessoal na Polícia Federal teria sido uma espécie de criação teratológica da Advocacia-Geral da União (AGU), que, infelizmente, vem sendo usada pelo presidente para enfrentar situações personalíssimas e não institucionais.
O suposto "Direito de Ausência" levantado por Bolsonaro não tem nenhuma regulação no Direito Penal e nem Processual pátrio. Um equívoco sem precedentes! Uma vergonha!
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O "Direito de Ausência" é tratado no Direito Civil. Mais especificamente pelo Novo Código Civil de 2002, que alterou substancialmente a regulação ditada pelo revogado Estatuto Objetivo Civil de 1916. No vigente Código Civil o "Direito de Ausência" ganhou importância e destaque. Mas, não havendo parâmetro jurídico na esfera penal.
Então, se Bolsonaro alegou (inclusive por escrito, confessando, claro!) que exerceu um suposto "Direito de Ausência" para não comparecer ao depoimento pessoal requisitado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, o presidente - ainda que em tese - ficou limitado no tempo e no espaço para exercer em plenitude seus direitos civis.
Qual o conceito, então, de "Direito de Ausência"?
Para Clóvis Beviláqua, “ausente é todo aquele que está fora de seu domicílio, mas no sentido em que agora toma o vocábulo, é aquela pessoa cuja habitação se ignora ou de cuja existência se duvida, e cujos bens ficaram ao desamparo”. O não menos culto civilista Ludwig Ennecerus afirma ser “indispensável na ausência a falta de notícias há tanto tempo a ponto de tornar incerta a existência da pessoa”.
O domicílio, de acordo com a lei civil, é o “lugar em que uma pessoa se estabelece com o ânimo definitivo de permanecer”. Para que a pessoa seja considerada ausente é requisito indispensável a declaração judicial deste estado de ausente. Se recepcionado pelo STF o pedido de Bolsonaro declarando-se "ausente", implicaria em suspensão do exercício do cargo pela limitação da capacidade civil? Vejam que imbróglio!
O Novo Código Civil de 2002 ficou mais técnico que o anterior. Agora, expressamente, diz que “o juiz declarará a ausência e nomear-lhe á curador”. Seria a hipótese de um "curador para Bolsonaro"? O que diz, então, o art. 22: "Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador".
A pergunta é a seguinte: Usando o "Direito de Ausência" para os atos da vida civil Bolsonaro estaria, agora, limitando para o exercício do cargo? Acho que estão levando esse presidente ao anedotário!
Quais são as consequências da ausência no processo penal brasileiro? No caso Bolsonaro, estaríamos diante de uma "confissão ficta"?
Não! A confissão ficta seria a hipótese em que Bolsonaro permaneça em silêncio. NO entanto, tal confissão não é admitida no processo penal brasileiro. Caso deixe de responder ao Delegado ou ao Ministro, o silêncio dele presidente - assim como sua fuga ou sua ausência - não importa em confissão.
É legal proceder-se assim? Sim! Mas, em se tratando de um presidente da República, pela liturgia e pela responsabilidade do cargo, é anárquico e imoral! Um ato indevido.
Em todo caso, mantendo-se a situação fática atual, pelo exercício do "Direito de Ausência", há - ainda que implicitamente - uma confissão dos fatos apontados como ilícitos (irrespondíveis pela natureza da infração), ou seja, quando se admite como verdadeiro um fato ou um conjunto de fatos desfavoráveis ao investigado. Enfim, Bolsonaro acaba de aceitar formalmente a imputação da infração penal pelo exercício do "Direito de Ausência", ainda que tal confissão implícita não possa possuir valor absoluto.
No âmbito do Direito Processual Penal, Bolsonaro estaria incorrendo em duas questões gritantes: Na Confissão Extrapenal, que é aquela produzida no inquérito ou fora dele; e na Confissão Explícita, quando o investigado reconhece, espontânea e expressamente (ele fez por escrito), ser o autor da infração - quando se nega a responder à investigação no exercício de uma relevante função pública (o direito público prevalecendo sobre o privado).
Para concluir, o renomado penalista Hélio Tornaghi ensina que, "a confissão é um raio de luz que ilumina todos os escaninhos dos crimes mais misteriosos, dissipa as dúvidas, orienta as ulteriores investigações e conforta, de um só passo, os escrúpulos do juiz e as preocupações da justiça dos homens de bem".