A polêmica do cálculo da pensão alimentícia
A polêmica do cálculo da pensão alimentícia
Sem um entendimento jurisprudencial uniforme e pacificado, ainda persiste no meio forense a polêmica do cálculo da pensão alimentícia. Para cada caso concreto a análise da jurisprudência se mostra de toda imprescindível. Dado que o direito a alimentos é uma garantia de sobrevivência, um direito personalíssimo e fundamental à dignidade da pessoa humana, sendo, pois, inequívoca sua importância.
A base de cálculo da pensão alimentícia, aquela merecedora de apreciação judicial consistente e incontroversa, reveste-se, ao longo do tempo, de acalorados debates e questionamentos nas lides jurídicas.
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“Na tarefa de buscar um valor que resolva o conflito entre as partes - diz Vanessa de Castro Rosa, professora universitária e mestra em Direitos Humanos Fundamentais - o juiz se pauta no binômio necessidade-possibilidade, ou, na versão mais enfática consubstanciada no trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade e no auxílio da jurisprudência dos Tribunais Superiores. Todavia, o terreno é eivado de controvérsias acerca da base de cálculo dos alimentos, ou seja, sobre quais valores da remuneração do alimentante deverá incidir a porcentagem fixada a título de pensão alimentícia”.
Por mais que o Novo Código Civil tenha avançado sobre o tema, dando-lhe maior amplitude, aperfeiçoando, inclusive, os ditames da Lei Especial nº 5.4478/68, a conhecida Lei de Alimentos, a base de cálculo ainda desafia o legal, o social e o humano.
Na conceituação de Nelson Rosenvald e de Cristiano Chaves Farias, alimentos significam tudo o que se afigurar necessário para a manutenção da pessoa humana, compreendidos os mais diferentes valores necessários para uma vida digna. A conceituação aqui definida buscou a ressonância da clássica doutrina de Orlando Gomes, segunda a qual “alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si”.
Bem, mas como se definir, no tempo e no espaço, o valor, o cálculo ou percentual de uma pensão alimentícia?
Partindo-se do princípio legal de que os alimentos englobam as despesas ordinárias, tais como, alimentação, habitação, vestuário, educação, saúde e extraordinárias (remédio, material escolar, etc), como, então, calcular o valor de uma pensão digna?
Todos devem saber – não custando relembrar - que não há um valor ou um percentual definido em lei para determinar uma pensão alimentícia. De conformidade com o art. 1.694, § 1º, do vigente Código Civil, a necessidade do alimentando (credor) e a possibilidade do alimentante (devedor) é que deve imperar para a base de cálculo na busca de um valor dentro de uma proporcionalidade.
Na prevalência do trinômio “possibilidade do alimentante”, “necessidade do alimentado” e “proporcionalidade”, os alimentos constituem direito humano fundamental, condição indispensável para o desenvolvimento sadio e completo das crianças e adolescentes e, além do que, para manutenção da vida daquele que não consegue prover a própria subsistência.
Vinculação ao salário mínimo
Nossas Cortes Superiores têm avançado no sentido de vincular o salário mínimo ao cálculo da pensão alimentícia. Sensível, pois, aos tormentosos problemas de família, muitas vezes de difícil resolução, o Supremo Tribunal Federal já sedimentou a questão, no enfrentamento de um campo movediço.
Na análise do critério de valoração e da fixação da pensão vinculado ao salário mínimo, a Suprema Corte enfrentou a questão: “Ementa: Agravo Regimental em Agravo de instrumento. Constitucional. Pensão alimentícia. Fixação em salários mínimos. Possibilidade. Precedentes. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que, em se tratando de pensão alimentícia, é possível sua fixação em salários mínimos. Precedentes: RE 629.668, Rel. Min. Dias Toffoli, o RE 166.586, Rel. Min. Marco Aurélio, o RE 603.496-AgR, Rel. Min. Ayres Britto, AI 567.424 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, e ARE 727.009 AgR, Relª. Minª. Cármen Lúcia. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF - AI 751934 AgR / MG, Julgamento: 12/11/2013)”.
Muito embora a Constituição Federal, em art. 7º, inciso IV, vede a vinculação do salário mínimo “(...) para qualquer fim”, no caso da pensão alimentícia a vinculação é uma exceção à regra geral, por se tratar, primeiro, de situação especial; segundo, porque pensão alimentícia não é reparação ou indenização civil; e, terceiro, para fixar a obrigação alimentar sobre salário mínimo nos casos de desemprego e de trabalho informal, possibilitando-se cumprir o dever legal de sustento da prole.
Sinais exteriores de riqueza
Trata-se de um tema importante. Não raro, as redes sociais denunciam casos concretos de alimentante posando com “sinais exteriores de riqueza”. E que, em juízo, sustentam a tese da incapacidade econômica para arcar com uma pensão arbitrada, quando a “riqueza exterior” denuncia a fraude processual. Assim, segundo os tribunais, para evitar danos à parte mais fraca, o alimentando, permite-se a fixação dos alimentos com base na teoria da aparência, isto é, a partir dos sinais exteriores de riqueza pública e ostensiva.
Para ilustrar, veja a seguinte decisão: “Direito de família. Separação judicial. Alimentos à filha menor. Profissional autônomo. Condição econômica do alimentante. Fixação do quantum. Teoria da aparência. Aplicação. (...) Inexistindo prova segura acerca dos ganhos do alimentante, há de prevalecer a lógica do valor arbitrado, lastreada em sinais exteriores que demonstram a capacidade do alimentante. Recurso conhecido e não provido. (TJDF - apelação cível: apl 115711220088070003 DF0011571-12.2008.807.0003 - julgamento: 14/04/2010).
Uma questão, no entanto, tem incomodado: o “desemprego superveniente”. Aquele que ocorre depois de arbitrada uma pensão. Entendem as Cortes de Justiça que o motivo, por si só, não tem o condão para elidir a pensão. Trata-se, pois, de fato incontroverso e que dispensa maiores delongas. Porque, no Direito de Família, o sustento filial deriva do pátrio poder, vinculado, pois, à relação de parentesco independentemente da situação econômica, seja presente ou de futuro.
Base de cálculo dos alimentos
A pensão alimentícia, em regra, é calculada sobre os rendimentos líquidos do alimentante. Do valor bruto dos rendimentos são subtraídos os descontos legais obrigatórios.
Há, porém, uma exceção à regra. Os tribunais entendem que aqueles valores denominados de verbas transitórias ou indenizatórias percebidas pelo alimentante estão excluídos da pensão alimentícia. São os chamados rendimentos passageiros, numa linguagem mais simples. Veja:
“Recurso Especial. Alimentos. Auxílio-Acidente. Auxílio-Cesta-Alimentação E Vale-Alimentação. Verbas Indenizatórias. Exclusão Da Base De Cálculo Da Pensão Alimentícia. Precedentes. Negativa De Prestação Jurisdicional. Art. 535 Do Cpc. Não Ocorrência. Percentual Incidente Sobre A Remuneração. Revisão. Impossibilidade. Súmula Nº 7/STJ. 1. Os alimentos incidem sobre verbas pagas em caráter habitual, aquelas incluídas permanentemente no salário do empregado. A verba alimentar incide, portanto, sobre vencimentos, salários ou proventos, valores auferidos pelo devedor no desempenho de sua função ou de suas atividades empregatícias, decorrentes dos rendimentos ordinários do devedor. 2. As parcelas denominadas auxílio-acidente, cesta-alimentação e vale-alimentação, que tem natureza indenizatória, estão excluídas do desconto para fins de pensão alimentícia porquanto verbas transitórias (...) (STJ - REsp: 1159408 PB 2009/0197588-1, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 07/11/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/11/2013).
Também para a base de cálculo da pensão incidem as verbas decorrentes do décimo terceiro salário e sobre o terço constitucional de férias, que são rendimentos fixos de futuro. Veja a decisão: “Consolidação da jurisprudência desta Corte no sentido da incidência da pensão alimentícia sobre o décimo terceiro salário e o terço constitucional de férias, também conhecidos, respectivamente, por gratificação natalina e gratificação de férias” (STJ - AgRg no REsp 1152681 MG 2009/0157427-0 - Publicação: DJe 01/09/2010).
Para concluir, deve-se reconhecer que a jurisprudência realça que na fixação de alimentos tanto nas hipóteses de emprego formal quanto no caso de desemprego ou trabalho informal, os alimentos devem ser fixados em percentual sobre os rendimentos líquidos, para o emprego formal, e, em caso de trabalho informal ou desemprego, os alimentos serão fixados tendo como parâmetro o salário mínimo.
*Nixonn Freitas Pinheiro é advogado