Retroatividade na Improbidade Administrativa
Retroatividade na Improbidade Administrativa
Tema jurídico palpitante a questão da retroatividade das alterações introduzidas pela Lei nº 14.133/2021 na antiga Lei nº 8.429/1992, a conhecida Lei de Improbidade Administrativa.
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A máxima de que o Direito não é uma ciência estática, mas, ao contrário, dinâmica, pode-se considerar desde logo que as mudanças, inovações e transformações introduzidas na Lei de Improbidade Administrativa leva-nos à seguinte indagação: as alterações retroagem ou não? De plano, a resposta é sim!
A propósito, o tema já foi submetido ao Supremo Tribunal Federal (STF), sobre eventual (ir)retroatividade das alterações da Lei nº 14.230, em especial quanto:
a) a necessidade da presença do elemento subjetivo — dolo — para a configuração do ato de improbidade administrativa;
b) b) a aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente.
Independentemente do que decidir o STF, na minha modesta visão entendo que a ressalva insculpida no art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal, que trás o preceito segundo a qual "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu", deve, sim, prevalecer e ser observado no campo administrativo, ainda que exista ações em curso. Ou seja, a nova lei deve retroagir em casos pretéritos para beneficiar os(as) processados(as) por improbidade administrativa, seja grave ou não o ilícito civil perseguido.
No argumento, importante e significativa é a posição dos juristas Matheus Teixeira Moreira, especialista em Direito Público, e Pedro Dadalto Oliveira, com graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Para os quais, "não nos convence o argumento literalista de que o artigo 5º, inciso XL, da Constituição menciona expressamente o termo "lei penal" e que, portanto, tal garantia estaria restrita a esse ramo do Direito. É que, como sabemos, a Constituição deve ser interpretada de forma harmônica e sistemática, de modo a prestigiar, de maneira geral, os valores positivados no texto constitucional. Se compreendermos, então, a vontade constitucional de resguardar os direitos daqueles que podem sofrer uma sanção estatal, sobretudo evidente a partir da escolha por um Estado (democrático) de Direito, resta evidente que não haveria lógica em tal diferenciação fruto de uma interpretação meramente literal".
Em outras palavras, a retroatividade aqui retratada se aplica tanto para os casos penais como para aqueles versados no âmbito administrativo. E, especificamente, para todas as questões envolvendo improbidade administrativa. Inclusive quanto à prescrição, conforme o caso e no que couber.
"Ao nosso sentir, a resposta a ser dada é a mesma que deve ser atribuída nos casos próprios do Direito Penal, é dizer: só devem retroagir aquelas alterações que são benéficas aos réus, na estrita lógica do que se aplica de forma incontroversa nos casos criminais. E o fundamento jurídico basilar para tal entendimento? O mesmo artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal" - apontam os juristas citados.
Não há, portanto, necessidade da lei nova trazer disposição expressa para a aplicação da retroatividade benéfica, porque é a própria Constituição que faz e trás e ressalva como permissivo jurídico-legal.
Na opinião de Sandro Lúcio Dezan, em seu "Ilícito administrativo disciplinar: da atipicidade ao devido processo legal substantivo, citado pelos juristas e com menção ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em voto da lavra da ministra Regina Helena Costa (RMS 37.031/SP), "verbis": "É que, malgrado exista uma percepção segundo a qual essa noção de retroatividade em benefício do réu e a aplicação de princípios como a tipicidade e a presunção de inocência, por exemplo, são noções restritas ao Direito Penal, na verdade, estes e outros preceitos integram o regime jurídico do Direito Sancionador".
E segue o jurista: "Ou seja, essas noções não estão limitadas ao Direito Penal, visto que, na verdade, são comuns a todos os ramos do Direito que ostentam uma pretensão punitiva, isto é, que visam à aplicação de uma sanção, seja ela penal ou administrativa. Esse é o entendimento da doutrina especializada: baseando-se no intelecto dos direitos fundamentais (neste caso, o inciso XL do artigo 5º), é mandatória a defesa de que as garantias consideradas no Direito Penal são igual e extensivamente aplicadas ao Direito Administrativo Sancionador em virtude da inexistência de distinção ontológica entre ilícitos de naturezas diversas, quer penal ou administrativa. A coesão de tal raciocínio é igualmente considerada pelo Superior Tribunal de Justiça, "porquanto o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador".
Matheus Teixeira e Pedro Dadalto destacam, ainda, que, "com isso, verificamos que não importa se estamos diante de um crime ou diante de um ilícito administrativo, visto que, frente a uma pretensão punitiva, seja ela penal ou administrativa, o regime jurídico aplicável é o de Direito Sancionador, posto que, em ambas as hipóteses, o particular está na mira na pretensão sancionatória do Estado e, portanto, deve estar amparado das mesmas garantias protetivas".
Os juristas trazem uma ilustração prática bastante emblemática, muito comum no estágio forense atual: "imaginemos o seguinte cenário: um servidor público responde a ação de improbidade administrativa ajuizada muitos anos antes da promulgação da Lei 14.230/2021, e que, em virtude da mora do Judiciário, encontra-se em evidente atraso na instrução; em tal caso, se já houver transcorrido o prazo previsto ao longo do artigo 23 da nova LIA, parece-nos perfeitamente possível a defesa da incidência da prescrição intercorrente, à luz de nosso entendimento acerca da retroatividade benéfica da norma, para declarar extinta a punibilidade".
Ademais, e para concluir, o art. 1º, § 4º, da nova lei é extremamente expresso ao dispor: "Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador". Um dos princípios, como sabemos, é o da retroatividade da lei mais benéfica, previsto no art. 5º, da Constituição Federal, aqui invocado. Entende-se, pois, que os dispositivos da Nova Lei de improbidade que forem favoráveis aos(às) acusados(as) e processados(as) de um modo geral devem retroagir, inapelavelmente, com observância, claro, à constitucionalidade hierárquica-normativa.