Exoneração de Moro pela ótica da complexidade jurídica
Exoneração de Moro pela ótica da complexidade jurídica
O pedido de exoneração formulado pelo juiz federal Sérgio Moro para abandonar a magistratura e assumir o cargo de ministro da Justiça no futuro governo, desafia, agora, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Que foi provocado para se pronunciar.
O órgão recebeu uma medida cautelar contestando o deferimento da exoneração de Moro pelo presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, desembargador Thompson Flores.
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Segundo a cautelar, Moro não pode pedir exoneração do cargo enquanto estiver respondendo a processo administrativo disciplinar no CNJ, por ofensa ao art. 27, da Resolução nº 135/2011-CNJ, que dispõe sobre a uniformização de normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados, acerca do rito e das penalidades.
O tema jurídico é palpitante, inquestionavelmente!
Antes da edição da Resolução nº 135/2011, vigorava no âmbito do CNJ a Resolução nº 30, de 07 de março de 2007, que no § 5º, do seu art. 1º, trazia a seguinte previsão legal: “O magistrado que estiver respondendo a processo administrativo disciplinar só será exonerado a pedido ou aposentado voluntariamente após a conclusão do processo ou do cumprimento da pena”.
O art. 27, da Resolução nº 135/2011, adotou nova redação, para excluir as expressões “(...) que estiver respondendo a processo administrativo disciplinar”, deixando apenas os termos “(...) pedido de aposentadoria voluntária”, “in verbis”: “O magistrado que estiver respondendo a processo administrativo disciplinar só terá apreciado o pedido de aposentadoria voluntária após a conclusão do processo ou do cumprimento da penalidade”.
Com a edição da nova regra, ficou revogada a Resolução nº 30/2007-CNJ pelo art. 29, da Resolução nº 135/2011, “in verbis”: “A presente Resolução entra em vigor na data de sua publicação e aplica-se aos processos pendentes, ficando revogada a Resolução n. 30, de 7 de março de 2007”.
A exoneração do juiz Sérgio Moro virou, então, polêmica jurídica nacional. Indagam-se os juristas: “O pedido de exoneração surte efeito mesmo estando o juiz respondendo a processo disciplinar no CNJ?”.
Se, para o caso, for invocado o princípio da analogia inserto na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que dispõe em seu art. 4° acerca do preenchimento de lacunas por meio da analogia, a exoneração pode, sim, ser objeto de discussão pelo CNJ, dependendo da interpretação analógica que lhe for dada.
Veja. Se o magistrado que estiver respondendo a processo administrativo disciplinar não pode ter apreciado pedido de aposentadoria voluntária antes da conclusão do processo ou do cumprimento da penalidade, também, por analogia, não poderá ter deferido pedido de exoneração sem a conclusão do respectivo processo. É assim a lógica no Direito: “Admitir a existência de uma verdade significa admitir a existência da lógica jurídica e não simplesmente da argumentação”.
Com o advento do Novo Código de Processo Civil (CPC), o instituto da analogia passou a ser aplicado de forma subsidiária, supletivamente em caso de lacuna ou omissão da lei, dando ênfase ao ditame legal do art. 4º, da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Observe que a previsão do § 5º, do art. 1º, da Resolução nº 30/2007-CNJ, é mais amplo do que o art. 27, da Resolução nº 135/2011-CNJ, em que pese sua revogação. É justamente aqui que reside a lacuna, a omissão da lei para o caso de aplicação da Resolução nº 135/2011-CNJ.
No embate, também merecem realce para o caso concreto as normas da Lei Federal nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, e da Lei Federal nº 9.784/99, que regula o processo administrativo.
“Aplicam-se aos procedimentos disciplinares contra magistrados, subsidiariamente, e desde que não conflitem com o Estatuto da Magistratura, as normas e os princípios relativos ao processo administrativo disciplinar das Leis n. 8.112/90 e n. 9.784/99” (Resolução nº 135/2011-CNJ, art. 26).
O art. 172, “caput”, da Lei Federal nº 8.112/90, reza: “O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada”.
Neste caso, deve-se observar no âmbito do CNJ o que prescreve o mencionado art. 172, da legislação federal epigrafada combinado com o art. 27, da Resolução nº 135/2011, para a apreciação da exoneração do juiz.
"Se a Administração descobre a falta administrativa e ordena a abertura de sindicância ou de processo administrativo, o funcionário não tem direito líquido e certo de exonerar-se, o que somente ocorrerá se for absolvido no processo administrativo ou se a sindicância for arquivada" (José Cretella Júnior – “Direito Administrativo: perguntas e respostas” - 5ª edição – Forense - p. 193).
A previsão legal do art. 172 é medida acautelatória que visa proteger os interesses da Administração Federal (extensiva à estadual e à municipal), impossibilitando que o servidor venha a evitar as apurações disciplinares e furtar-se do resultado do processo administrativo.
"Uma vez submetido a inquérito administrativo, o servidor só poderá ser exonerado, a pedido, ou aposentado voluntariamente, depois da conclusão do processo, no qual tenha sido reconhecida sua inocência” (ROMS 11425/RS; DJ de 04.08.2003, p. 423, relator o Ministro Hamilton Carvalhido, 6ª Turma - STJ).
Observe que a decisão citada acima segue fielmente as regras insculpidas do § 5º, do art. 1º, da Resolução nº 30/2007, do CNJ, e do art. 172, da Lei Federal nº 8.112/90. Com o império da lei e do Direito na sua expressão maior.
Na conclusão, um dado importante será saber se, efetivamente, há um processo disciplinar instaurado no CNJ contra o juiz Sérgio Moro por decisão do colegiado. Se não, prevalecerá o pedido de exoneração aceito, desvirtuando sua suspensão ulterior.
Porque de acordo com o art. 14, da Resolução nº 135/2011, “antes da decisão sobre a instauração do processo pelo colegiado respectivo, a autoridade responsável pela acusação concederá ao magistrado prazo de quinze dias para a defesa prévia, contado da data da entrega da cópia do teor da acusação e das provas existentes”.
Atente-se para o fato de que, de conformidade com a dicção do art. 14, uma audiência marcada para ouvir Sérgio Moro no próximo dia 06 de dezembro não implica, necessariamente, na instauração de processo disciplinar. Em outras palavras, só haverá processo administrativo disciplinar devidamente instaurado quando houver pronunciamento do conselho. E, no caso, parece-me que não houve.
Bem, uma coisa é certa: a exoneração de Sérgio Moro se reveste da mais alta complexidade jurídica diante das normas legais atinentes à espécie, cabendo ao CNJ – ao colegiado e não ao corregedor - a última palavra na interpretação “stricto sensu” de convalidar ou não a exoneração.