Reforma Tributária e punição aos Municípios

Reforma Tributária e punição aos Municípios

Reforma Tributária pressupõe, em termos de relevo econômico-fiscal, mudança na estrutura legislativa de impostos, taxas e outras contribuições vigentes, de modo que o sistema de tributação se modernize e o modo de distribuição da arrecadação se torne mais igualitário, compatível entre União, Estados e Municípios.

Inegavelmente, muito oportuno o XXX Congresso Nacional dos Auditores Fiscais de Tributos Municipais de Teresina. No evento defendeu-se, entre outros temas e argumentos, que qualquer proposta de Reforma Tributária seja voltada, precipuamente, para o real papel dos municípios na distribuição dos recursos e no financiamento de áreas estratégicas, como saúde, educação, assistência social e segurança pública, incluindo, por consequência, o Estado, para uma forma mais justa de arrecadação e de distribuição tributária equacionada, tudo em busca do equilíbrio econômico e da justiça fiscal e social.

Município é a única entidade política "viva" do Brasil, concretamente. Abstratamente, União e Estados. Vive-se, pois, nos municípios, nas cidades. Somos do Brasil, somos de um Estado, mas, acima de tudo, somos dos municípios, onde nascemos, fomos criados, educados e vivemos nas respectivas cidades.

Pelos estudos do Observatório de Informações Municipais, é justificável a preocupação dos prefeitos brasileiros. Afinal, mostra-se à saciedade que a Reforma Tributária poderá trazer perda de receita para a maioria das prefeituras.  De acordo os estudos, menos de 500 municípios não correm riscos de perder arrecadação com a mudança. A preocupação se assenta no fato de que, no futuro, não haja compensação pelas transferências federais e estaduais previstas na Reforma Tributária.

Sem envolver equanimente todos os interesses dos entes federados, com posições claras e bem definidas na divisão do “bolo tributário”, com respeito às competências constitucionais, poderá ser fatal para os municípios. Uma punição inconcebível!

O presidente do Conselho de Órgãos Fazendários Municipais de Santa Catarina (Confaz-M/SC), Flávio Alves Martins, lembra que “os municípios vivem numa situação financeira extremamente delicada e, caso a reforma seja baseada em propostas passadas, a redução da receita promete ser dramática”. Um estudo feito pelo Confaz-M/SC, baseado num trabalho do IPEA, analisa três possibilidades de reforma. Uma delas, pensada pelo Ministério da Fazenda e geraria dificuldades, caso se crie o Imposto de Valor Agregado (IVA). A proposta, segundo Flávio Martins, com a junção de alguns tributos em um único, como o ISS e outros, os municípios receberiam em contrapartida um valor de acordo com o que criariam. No entanto, diz ainda o especialista, “ninguém tem certeza da forma de redistribuição”.

O XXX Congresso Nacional dos Auditores Fiscais de Tributos Municipais de Teresina deixou para uma reflexão que a proposta de Reforma Tributária ora discutida e em pauta no parlamento brasileiro é desumana para com os municípios, máxime os mais pobres da federação. Se levarmos em consideração os critérios adotados até agora. E não será nenhuma deselegância carimbá-la de desleal, com requintes, inclusive, de inconstitucionalidades pontuais que poderão, no futuro, esbarrar na Suprema Corte.

David Gonçalves de Andrade Silva, advogado especialista no tema, fez um levantamento sobre as possíveis mudanças que deverão ser alvo de muitas controvérsias:

Tributos que podem ser extintos

Municipal – Imposto sobre Serviços (ISS);

Estadual – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS);

Federais – Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Programas de Integração Social (PIS), Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), Salário Educação, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros (IOF).

Tributos que podem ser criados

Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – Seria um tributo geral sobre o consumo de qualquer produto e serviço, cobrado no momento da venda. Substituiria os seguintes tributos em vigor: IPI, PIS, Pasep, Cofins, ISS e ICMS, padronizando regras e alíquotas. Na prática, visaria simplificar a burocracia, porque unificaria vários impostos em um, e daria fim à guerra fiscal. O novo tributo seria regulado por lei federal, com arrecadação centralizada, fiscalização estadual e divisão de recursos entre Estados, municípios e União. Remédios e alimentos teriam tributação reduzida.

Imposto Seletivo – O Imposto Seletivo monofásico, como está sendo chamado, seria aplicado apenas sobre energia elétrica, combustíveis, comunicações, transportes, cigarros, bebidas, veículos, pneus e autopeças. Como o IVA, teria regulação por lei federal, com arrecadação centralizada e fiscalização estadual. Também teria a arrecadação dividida entre Estados, municípios e União.

Como funcionaria a cobrança e a partilha

– Seria criada uma espécie de “supersecretaria”, que poderá ser chamada de Secretaria da Receita Federativa dos Estados, utilizando os atuais auditores fiscais estaduais. O modelo final ainda está sendo definido;

– Esse órgão faria tributação, arrecadação e fiscalização do novo IVA, que seria cobrado nacionalmente, com legislação federal;

– União, Estados e municípios teriam suas arrecadações preservadas. Os percentuais seriam calculados com base na arrecadação do ano anterior ou na média dos últimos anos;

– Cada ente federado teria uma fatia do Imposto de Renda, do IVA e do Imposto Seletivo, sem alterações nos primeiros cinco anos;

– Nesse período, seriam discutidos novos critérios de partilha, que entrariam em vigor a partir do sexto ano e seriam aplicados gradualmente por 15 ou 20 anos.

OUTRAS ALTERAÇÕES

IPVA, ITCD e ITR – Cobrados pelos Estados, os impostos sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCD) passariam a ser de competência dos municípios.

– O mesmo valeria para o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), hoje federal.

Na esfera pública, a questão crucial, no caso específico de salvaguardar interesses municipais, não é apenas reformar para simplificar ou, possivelmente, melhorar. É reformar para equacionar entre os entes federativos. Aqui reside o cerne da controvérsia.

É verdade que a Reforma Tributária abre uma nova dinâmica para o equacionamento da Guerra Fiscal. Porém, os municípios, que se colocam na base da pirâmide fiscal como entes mais frágeis, tendem a sofrer as agruras com as prováveis mudanças na arrecadação e na distribuição, tudo em decorrência da ausência de um equacionamento delineado mais claro e mais justo.

Por que é tão difícil promover Reforma Tributária? Como equacionar isso?

Para a procuradora do Município de Porto Alegre, Cristiane da Costa Nery, especialista em Direito Municipal, a reforma, como proposta, prejudica a autonomia constitucional dos municípios. Ficarão reféns do repasse de recursos. Daí o ceticismo de muitos em relação a um justo equacionamento que possa colocar os municípios na igualdade proporcional almejada dentro do Direito Tributário.

“Os municípios têm, constitucionalmente falando, autonomia. Mas quando se vislumbra que o município tem maior número de competências e cada vez mais necessidade de prestação de serviços sem a devida contraprestação financeira, se vê que a autonomia fica muito no papel. (...) A revisão desse pacto federativo e da repartição do bolo tributário no País têm que andar juntas, se não a reforma tributária não vai ser efetiva” - avalia a procuradora.

Nada mais justa a preocupação do XXX Congresso Nacional dos Auditores Fiscais de Tributos Municipais de Teresina, porque a reforma, como proposta, segundo o magistério de especialistas, como a procuradora, vai gerar uma perda financeira enorme e de forma imediata. Ainda que ocorra um repasse pelos estados, o município vai perder o comando do seu imposto, o ISS, porque este vai ter que ser repassado. Tem muitos municípios que a arrecadação de ISS é superior à arrecadação de IPTU.

 

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