Medicina Legal e Anatomia do Crime

Medicina Legal e Anatomia do Crime

Medicina Legal é a reunião de conhecimentos e práticas médicas e paramédicas direcionadas a questões relacionadas às Ciências Jurídicas, auxiliando na elaboração, interpretação e execução dos mais diversos dispositivos legais na investigação criminal envolvendo, inclusive, vários campos do Direito.

Segundo a melhor doutrina especializada, há três subgrupos onde a Medicina Legal exerce sua influência direta:

Medicina Legal Judiciária: concentra-se nos assuntos gerais relacionados ao Direito Penal, ao Direito Civil e ao Direito Processual Civil e Penal;

Medicina Legal Profissional: relacionada com os direitos e deveres dos médicos;

Medicina Legal Social: na hipótese, a Medicina Legal Trabalhista, a Medicina Legal Securitária e a Medicina Legal Preventiva.

Na criminologia, a Medicina Legal é uma ciência auxiliar do Direito Penal e Processual Penal, de grande importância na investigação dos mais variados delitos, sobretudo aqueles contra a vida, a integridade física, a liberdade sexual e tantos outros crimes.

No tocante ao Processo Penal especificamente, nas infrações que deixam vestígios a Medicina Legal figura como de fundamental importância para o esclarecimento do fato, sendo que sem uma perícia não há como se chegar a uma certeza absoluta ou relativa da verdade real. Pelo menos na busca dos verdadeiros ou supostos criminosos.

Como diz Elder Corrêa Sena, pós-graduado em Processo Penal, citando Rogério Greco em “Medicina Legal à Luz do Direito Penal e do Direito Processual Penal”, é com a Medicina Legal que o Processo Penal consegue desvendar mais de 90% (noventa por cento) dos casos criminais, visto que diversos são os ilícitos que envolvem a aplicação médico-legal, como o homicídio, o infanticídio, o feminicídio, a lesão corporal, o estupro, o aborto, os crimes sobre entorpecentes e tantos outros.

Conforme Alexandre Lacassagne, médico e criminologista francês, a Medicina Legal pode ser definida como “a arte de pôr os conhecimentos médicos a serviço da Administração da Justiça”. Para De Crecchio, precursor da Ciência Forense na Itália, Medicina Legal “é o estudo do homem, são ou doente, vivo ou morto, naquilo que possa formar assunto de questão forense”.

Assim, a ciência Medicina Legal coloca os conhecimentos científicos à disposição do estudo e do esclarecimento de inúmeros fatos de interesse jurídico, especialmente no âmbito da criminologia.

Dada sua importância no desvendamento do crime, a Agência Federal de Investigação dos Estados Unidos (EUA), mais conhecida como FBI (Federal Bureau of Investigation), em 2000 elaborou um guia para a investigação da cena do crime (TWGCSI – Grupo de trabalho técnico da investigação da cena do crime, 2000).

O manual padroniza práticas adotadas para uma investigação, tornando-se referência mundial, dividindo tais práticas em cinco padrões distintos:

1)    Chegada à cena do crime;
2)    Documentação preliminar;
3)    Avaliação da cena;
4)    Processamento da cena;
5)    Finalização da investigação da cena do crime.

Seguindo o manual do FBI, a cena do crime normalmente é classificada utilizando um conjunto de definições. Porque o objetivo de qualquer investigação é, acima de tudo, reconhecer, preservar, coletar, interpretar e reconstruir toda uma evidência física relevante, a saber:

1) LOCALIZAÇÃO DA CENA:
(a) Primária - origem da primeira atividade relacionada ao crime;
(b) Secundária - outros locais relacionados ao crime.

(2) TAMANHO DA CENA:
(a) Macroscópica: todos os elementos que são visualizados na cena do crime sem auxílio de equipamentos específicos. Ex: o corpo, o esqueleto, o carro, o ambiente, etc.;
(b) Microscópica: evidências físicas microscópicas encontradas na cena macroscópica. Por exemplo: resíduos de pólvora, traços de pelos e fibras, impressões digitais, etc.

(3) TIPO DE CENA. Ex: homicídio, roubo, agressão sexual, etc.;

(4) CONDIÇÃO DA CENA: organizada ou desorganizada.

Tudo isso corresponde à integração da investigação da cena do crime com o exame e a coleta dos vestígios encontrados na forma e na base da investigação científica, correspondendo, por consequência, a uma Anatomia do Crime.

Por Anatomia do Crime entende-se como o “retrato” de um caso real. Prova a prova, fato a fato, uma reconstrução do contexto factual com os motivos e as circunstâncias que envolvem o fato delituoso, um conjunto de modo a resolver um caso de caráter legal.

Na Anatomia do Crime a ciência da Medicina Legal é absolutamente decisiva com a seguinte classificação no Processo Penal brasileiro:

•    Antropologia Forense: cuida dos estudos a respeito da identidade de pessoas e suas identificações, como seus métodos, processos e técnicas.
•    Traumatologia Forense: estuda as lesões e suas causas.
•    Asfixiologia Forense: cuida das asfixias em geral, de interesse médico-jurídico, como casos de enforcamento, esganadura, afogamento, soterramento, imersão em gases não respiráveis, dentre outros.
•    Sexologia Forense: cuida de problemas e questões que dizem respeito à sexualidade humana normal, patológica e criminosa.
•    Tanatologia: trata do estudo da morte, como das condições do morto, incluindo fenômenos cadavéricos e a causa da morte.
•    Toxicologia: cuida do estudo da ação de substâncias tóxicas, venenosas e cáusticas que resultam no envenenamento ou intoxicação de um indivíduo.
•    Psiquiatria e Psicologia Forense: estuda as doenças mentais relacionadas com interesse jurídico e causas de periculosidade.
•    Polícia Científica: realiza a investigação criminal.
•    Criminologia: é responsável pelo estudo das ações humanas que resultam na prática de crimes.
•    Vitimologia: cuida dos estudos relacionados à participação da vítima nos crimes.
•    Infortunísmo: é responsável por estudar os acidentes de trabalho, doenças profissionais e higiene e insalubridade nos locais de trabalho.
•    Química Forense: responsável pelos estudos de materiais como tinturas, vidros, solos, metais, explosivos e derivados do petróleo.

Em “Investigação Criminal”, de Hess e Orthmann, obra citada pelos maiores penalistas do mundo, a palavra investigação deriva do latim ‘vestigare’, que significa perseguir ou descobrir. A investigação aplicada ao campo criminal vai, então, consistir no processo de perseguir ou descobrir, recolher, preparar, identificar e apresentar os vestígios, de forma a determinar a responsabilidade de ações ou omissões. O objetivo desta investigação resume-se, então, na resolução dos casos em análise, sendo que esta resolução não é um procedimento simples.

Por fim, colhe-se em “Princípios e Prática em Criminalística”, de Inman e Rudin, que “uma cena de crime é um ambiente dinâmico, ou seja, os vestígios começam a mudar, literalmente, no instante imediato à ofensa. Quanto mais tempo passar, mais distante será a cena do crime da cena original. Não existe nada que possa ser feito para prevenir estas mudanças inevitáveis; porém, pode tentar-se minimizar a contribuição humana para essas alterações. É importante compreender que, no momento em que um indivíduo entra na cena do crime, torna-se, forçosamente, parte dela”.

Sem a Medicina Legal não há – e nem haverá - “estrutura jurídica do crime”. A premissa de um crime é o fato social. Porque é este que sintetiza a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade. Fato social que, na constatação de um crime, merece a relevante e obrigatória contribuição da Medicina Legal, sem a qual se desfaz no mundo jurídico da criminologia.

*Nixonn Freitas Pinheiro é advogado

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