Direitos Humanos, Direito à Vida e Pena de Morte

Direitos Humanos, Direito à Vida e Pena de Morte

Nos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), não custa relembrar que Direitos Humanos são todos os direitos relacionados à garantia de uma vida digna a todas as pessoas. São direitos garantidos à pessoa pelo simples fato de ser humana.

O primeiro registro histórico de Direitos Humanos é de aproximadamente 500 anos antes de Cristo, quando Ciro, Rei da Pérsia, declarou a liberdade de escravos e alguns outros direitos de igualdade humana. Esses direitos foram gravados em uma peça chamada “Cilindro de Ciro”.

Hoje, existem várias organizações e movimentos que têm como objetivo defender os Direitos Humanos, como, por exemplo:

1.    A Anistia Internacional;
2.    O Serviço Paz e Justiça na América Latina;
3.    O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos;
4.    A Human Rights Watch;
5.    O Gabinete de Instituições Democráticas e Direitos Humanos da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa.

A propósito, conheça, agora, as principais características dos Direitos Humanos:

•    A sua principal função é garantir a dignidade de todas as pessoas;
•    São universais, válidos para todas as pessoas, sem qualquer tipo de discriminação ou diferenciação;
•    São relacionados entre si. Ou seja, todos os Direitos Humanos devem ser aplicados igualmente. Isso porque a falta de um direito pode afetar os outros;
•    São indisponíveis. Significando dizer que uma pessoa não pode abrir mão dos seus direitos;
•    São imprescritíveis. Significando dizer que os Direitos Humanos não têm prazo e não perdem a validade.

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em “Estado Democrático de Direito” e tem como fundamentos a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e o pluralismo político. E tem por objetivos fundamentais construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

De concepção jurídica extremamente sublime humanisticamente, o art. 5º, da Constituição Federal, prescreve sobre os direitos e as garantias fundamentais, trazendo em si uma cláusula pétrea insuperável para a instituição da Pena de Morte no Brasil: “a inviolabilidade do Direito à Vida”.

Pela hermenêutica jurídica, implica dizer que para se instituir a Pena Capital no Brasil teríamos que aceitar que o Direito à Vida seja “violável” ou “violado”, contrariando um dos princípios fundamentais da nossa República, qual seja da “dignidade da pessoa humana”.

Verdadeiramente, a Pena de Morte é um tema muito complexo. Justamente porque esbarra nos óbices constitucionais da “inviolabilidade do Direito à Vida” e da “dignidade da pessoa humana”. Dois núcleos jurídicos constitucionais considerados cláusulas pétreas intransponíveis, consubstanciados no “direito de alguém continuar vivo” e no “direito desse alguém ter uma vida digna”.

Na obra “Direito Constitucional Positivado”, José Afonso da Silva diz que “de nada adiantaria a Constituição assegurar os demais direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erguesse a vida humana em um desses direitos”. Como pilar maior!

Então, o Direito à Vida, como princípio, insere-se no nosso Texto Maior Constitucional dentre os Direitos e Garantias Fundamentais e os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, não podendo ser abolido nem mesmo através de Emenda Constitucional, conforme a previsão do § 4º, inciso IV, do art. 60, da Carta Constitucional, segundo o qual “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) os direitos e garantias individuais”.

Em seu compêndio “Direito Constitucional”, Alexandre de Moraes diz que a Constituição Federal de 1988 garante no seu art. 5º a inviolabilidade do direito a vida tratando-se do mais fundamental dos direitos, já que se constitui em pré-requisito para a existência e o exercício de todos os demais.

O Direito à Vida é um núcleo jurídico-constitucional imutável. Estamos, pois, diante de uma vedação absoluta, que somente poderá ser abolida ou restringida através de uma revolução social e política ou pelo uso da força, através de uma ruptura total do atual regime, com o surgimento de um poder de exceção, ou por um novo Poder Constituinte Originário e de forma absolutamente democrática.

Sem isso não se pode falar de Pena de Morte no Brasil. A literatura jurídica demonstra à saciedade que vingança privada jamais teve ou obteve sucesso em qualquer sociedade civilizada. A pena capital, por certo, é uma das formas de vingança privada, aliada às penas cruéis e ao banimento. Esta última uma forma de vingança como pena imposta a alguém para deixar o país e não retornar a ele enquanto durar a vingança. Em síntese, o perdimento da nacionalidade.

A Pena de Morte no Brasil foi aplicada para crimes civis pela última vez em 1876. E não é utilizada oficialmente desde a Proclamação da República, em 1889. Foi abolida para todos os crimes não-militares na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, inciso XLVII). Atualmente, é prevista apenas para crimes militares em tempos de guerra. Isso porque o Brasil é membro do Protocolo da Convenção Americana de Direitos Humanos para a Abolição da Pena de Morte, ratificado em 13 de agosto de 1996. De acordo com a lei internacional, a aplicação da Pena de Morte durante tempos de guerra é aceitável.

Não raro, aqui e acolá, surgem questionamentos que reacendem a discussão de reintrodução no nosso Sistema Constitucional da Pena de Morte como ocorria antes da Proclamação da República. A discussão, no entanto, sempre encontra barreiras quando relembrado o caso do escravo Francisco, em Pilar, no Estado de Alagoas, executado inocentemente em 28 de abril de 1876; no caso de José Pereira de Sousa, condenado pelo júri de Santa Luzia, no Estado de Goiás, enforcado de forma inocente no dia 30 de outubro de 1861; os casos das escravas Rosa Cassange e Peregrina, em Sabará, Minas Gerais,  executadas por enforcamento em 14 de abril de 1858 e, posteriormente, consideradas inocentes.

Na conclusão, mesmo em tempos de exaltação e de defesa da paz, é interessante registrar que a Pena de Morte ainda é aplicada em muitos países considerados desenvolvidos. Porém, também convém registrar que até hoje não se comprovou que a punição extrema tenha provocado diminuição considerável da criminalidade e da violência, impedindo, por exemplo, a atuação delitiva de forma isolada ou em associação ou organização criminosa. Mais claramente: a pena capital não resolve o problema de intranquilidade e de desassossego social na defesa de vidas, de esperanças, de legitimidades, de patrimônios e de crenças nos valores humanos fundamentais.

Nestor Sampaio Penteado Filho, no seu “Manual Esquemático de Criminologia”, Saraiva, ao discorrer sobre as teorias sociológicas explicativas do crime, lembra que são várias as causas que levam pessoas de todas as classes sociais a seguirem o caminho da criminalidade, apontando-as:

• A situação de pobreza - as pessoas têm necessidade de entrar no mundo da criminalidade para arranjar dinheiro para pagar as suas dívidas e para conseguir sobreviver;

• O elevado nível de desemprego - famílias que têm mais do que um elemento desempregado recorrem por vezes a atos criminosos para conseguirem superar as dificuldades que a vida lhes traz;

• Relações com os amigos e colegas pouco saudáveis - as “más influências” que alguns jovens exercem sobre outros e o “bullying” são as principais causas das atitudes criminosas praticadas pelos jovens;

• Diferenças étnicas e culturais - a cor da pele, as diferentes opiniões, os diferentes valores, as diferentes culturas, entre muitas outras coisas, servem de pretexto para uma atitude violenta ou para atos criminosos;

• Relações familiares conflituosas e crise de valores - o ambiente em que a pessoa está inserida e os valores que lhe são transmitidos influenciam por vezes o modo como ela age. Uma pessoa habituada a assistir e por vezes a ser envolvida em situações de conflito torna-se mais receptível á violência;

• Fatores de personalidade e motivacionais - Cada pessoa é diferente, tem personalidades diferentes e, por isso, reage de forma diferente a uma mesma situação. Por esta razão, há pessoas mais ou menos agressivas do que outras, umas que superam as dificuldades melhor ou pior do que outras e umas que são mais ou menos influenciáveis que outras.

Vê-se, portanto, que as causas que levam à criminalidade são variadas. E todas elas, segundo Penteado Filho, estão diretamente relacionadas com o indivíduo e a sua formação. E os vários motivos podem variar de crime para crime, de pessoa para pessoa, de circunstancias para circunstâncias. Portanto, levando-se tudo isso em consideração, fica muito questionável e duvidosa a reintrodução da Pena de Morte no nosso Sistema Constitucional.

Para argumentar, Carlos Sebastião Nina, mestre em Direito Político e Econômico, ex-Promotor de Justiça e ex-Juiz de Direito, defende a tese de que “o maior inimigo da sociedade brasileira e do Estado Democrático de Direito é a corrupção. É dela que brotam a violência e a impunidade. É dela que brotam a precariedade do sistema educacional, da saúde, dos transportes, das estradas, do saneamento básico, da moradia, o desemprego, o empobrecimento da população, a miséria e a exclusão social. É ela que faz e alimenta a riqueza súbita de alguns advogados, magistrados, deputados, senadores, vereadores, prefeitos, governadores e profissionais de outras áreas que se inserem nos esquemas de corrupção existentes no Poder Público ou iniciam a sua própria quadrilha”.

E vai adiante: “Condescender com a corrupção, portanto, é estimular tudo isso. É renunciar à transformação da sociedade, à promoção de seu bem estar ou do bem comum. É fomentar fortunas ilícitas, fortalecer o crime organizado instalado nas altas esferas do Poder, controlando-o, manipulando-o, garantindo a impunidade, gerando a violência sem freios e, o que é pior, estimulando soluções estúpidas e atentatórias contra o cidadão honesto, decente, simples, que só espera do Estado a garantia de poder viver em paz, ser tratado com igualdade, liberdade, dignidade e justiça”.

Em última análise, o mestre entende que “o corrupto é o pior dos criminosos de qualquer sociedade (...). Assim, é tentador apoiar a pena de morte para punir corruptos (...). A natureza humana é falível, pois isso mesmo jamais atingirá a perfeição. Nem Violência Zero, nem Fome Zero. Mas, se devemos ter um marco pelo qual lutar sem sermos apenas massa de manobra, esse marco deve ser Corrupção Zero. Só dele se pode dizer que repercutirá nos outros”.
 

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