O Direito de Estar Só
O Direito de Estar Só
Indiscutivelmente, toda pessoa sente a necessidade de ficar sozinho. Para não ser incomodada pela curiosidade ou pela indiscrição de terceiros na esfera de sua vida privada.
Para o jurista Paulo José da Costa Júnior, “a intimidade é o direito de estar só. É o direito do indivíduo, querendo, de ser deixado em paz, sem o importúnio da curiosidade ou da indiscrição. Não raro, o homem sente a necessidade de permanecer só, sem ser molestado, a desfrutar da paz e do equilíbrio que só a solidão pode proporcionar. E, assim, o indivíduo, afastado do ritmo febricitante da vida moderna, mantém-se isolado, subtraído da publicidade e do alarde, enclausurado em sua intimidade, resguardado da curiosidade dos olhares e dos ouvidos ávidos e indiscretos”.
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Como premissa geral e antecedente natural da personalidade humana e da capacidade jurídica, a nossa Constituição Federal, em seu art. 5°, inciso X, declarou a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Assim, reconheceu a proteção jurídica das pessoas contra interferências alheias e indevidas, colocando, pela cláusula da “inviolabilidade”, um divisor entre o direito à privacidade e a liberdade de informação.
Segundo Pontes de Miranda, em seu ‘Tratado de Direito Privado’, “o termo direito à intimidade é considerado como tipificação dos chamados “direitos da personalidade”, que são inerentes ao próprio homem e têm por objetivo resguardar a dignidade da pessoa humana. Surgem como uma reação à teoria estatal sobre o indivíduo e encontram guarida em documentos como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789; a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948; a 9ª Conferência Internacional Americana de 1948; a Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 1950; a Convenção Panamericana dos Direitos do Homem de 1959; a Conferência Nórdica sobre o Direito à Intimidade de 1967; além de outros documentos internacionais”.
Cabe observar, para efeito de argumentação, que o inciso X, do art. 5°, da Constituição Federal, trás em si a “intimidade” e a “vida privada” como núcleos jurídicos distintos. Coube, então, à doutrina fazer a diferenciação para adequar a teoria à prática. A intimidade tem âmbito exclusivo, primordial, mais abrangente e genérico, para o efeito de quando alguém reservar para si o “Direito de Estar Só”, sem qualquer tipo de repercussão social. Já a vida privada tem a característica pelo “viver entre outros”, como, por exemplo, em família, no trabalho, no lazer em comum, segundo o entendimento de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, em seu “Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado”, p. 54.
O enquadramento constitucional do direito à privacidade como um direito da personalidade e, principalmente, como um direito fundamental, revela tratamento cuidadoso. Em que pese sua força imperativa, inserido no texto constitucional como cláusula pétrea, não se sujeitando, inclusive, a alteração por emenda constitucional, ante o “retrato” de uma sociedade contemporânea, dominada e incentivada pelos meios de comunicação de massa e as diversas redes sociais, o direito à privacidade tende, doravante, a encontrar limitações, especialmente em duas ramificações: a liberdade de informar e de ser informado.
Para tanto, tramita no Congresso Nacional um projeto sobre a Nova Lei de Imprensa, que, entre outras situações legais, “legaliza” (entre aspas) a invasão da privacidade. Veja o que dita o art. 12, do referido projeto: “Não constitui ato de violação à intimidade, à vida privada e à imagem das pessoas a divulgação de foto, de imagens e sons, quando fixados ou gravados diretamente em local público gratuito ou pago”.
Segundo Costa Júnior, “se este artigo-gazua for aprovado, o que até agora é matéria controversa, passível de discussão no tribunal, passará a ser a letra da lei. A declaração de que não há privacidade no espaço público é grosseira. O artigo permitiria, por exemplo, a gravação clandestina de conversas num restaurante. Com o amparo da lei, poderiam ser divulgadas fotos de pessoas entrando em lugares onde queiram resguardar a intimidade, como, por exemplo, um motel – local “público pago”. Por esta doutrina, o espaço privado deixa de abranger até mesmo o banheiro da rodoviária”.
Se não alterada ou retirada pelo Congresso, a questão tratada no projeto da Nova Lei de Imprensa deverá mesmo esbarrar no Supremo Tribunal Federal (STF). Dada a inconstitucionalidade quanto à limitação do direito à intimidade e à vida privada.
“A intimidade, na concepção jurídica - diz o promotor de justiça por São Paulo e mestre em Direito Público, Eudes Quintino de Oliveira Júnior - trata-se de um campo discreto frequentado unicamente pelo interessado. É o espaço em que vai encontrar consigo mesmo, sem qualquer acesso à curiosidade privada. Neste reino pode desfilar tudo que é mais precioso para a pessoa, desde a sua crença religiosa até os segredos mais recônditos, sem qualquer risco de invasões arbitrárias e, principalmente, de se chegar ao conhecimento público porque não há qualquer registro materializado”.
E conclui: “(...) no espaço reservado com exclusividade para o indivíduo, numa constante atividade solitária, nenhuma norma terá acesso, pois encerra um mundo puramente individualista, sem qualquer relação exterior envolvendo interesses políticos ou sociais. Faz lembrar o pensamento de Clarice Lispector: "Viver em sociedade é um desafio porque às vezes ficamos presos a determinadas normas que nos obrigam a seguir regras limitadoras do nosso ser ou do nosso não-ser...” Quero dizer com isso que nós temos, no mínimo, duas personalidades: a objetiva, que todos ao nosso redor conhece; e a subjetiva... Em alguns momentos, esta se mostra tão misteriosa que se perguntarmos – Quem somos? Não saberemos dizer ao certo!!!”.
Direito à Intimidade e Direito à Vida Privada são nomenclaturas jurídicas que simbolizam o “Direito de Estar Só”. Segundo o baiano Uadi Lammêgo Bulos, advogado constitucionalista, escritor e professor de Direito Constitucional, “amiúde, a ideia de vida privada é mais ampla do que a de intimidade. Vida privada envolve todos os relacionamentos do indivíduo, tais como suas relações comerciais, de trabalho, de estudo, de convívio diário, etc. Intimidade diz respeito às relações íntimas e pessoais do indivíduo, seus amigos, familiares, companheiros que participam de sua vida pessoal”.
“A esfera da inviolabilidade ao direito à privacidade, enfim, é ampla, pois abrange o modo de vida doméstico, nas relações familiares e afetivas em geral, fatos, hábitos, local, nome, imagem, pensamentos, segredos, e, bem assim, as origens e planos futuros do indivíduo” (in “Curso de Direito Constitucional Positivo”, de José Afonso da Silva, p. 205).
Diante da controvérsia, surge a pergunta: O Direito à Privacidade é absoluto? Não!
Em processos judiciais, quando prevalente o interesse público, não impera a ponderação ao direito à intimidade e à vida privada. Por expressa previsão constitucional, quando a divulgação da informação estiver revestida de interesse público o direito à privacidade cederá lugar ao direito de informação, também consagrado como princípio fundamental.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 45, ficou assegurado no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, que o decreto de sigilo não poderá sopesar o direito à intimidade e à liberdade de informação quando o interesse público impuser a divulgação da notícia, devendo ser prestigiado, de modo absoluto, o direito individual à informação. A parte final do dispositivo afasta, por completo, o direito da personalidade quando residir interesse público na divulgação do fato.
Em determinado caso concreto, constatado o interesse público, o direito à intimidade cederá em favor da liberdade de informação. Na interpretação em concreto, quando duas normas constitucionais fundamentais colidirem aquilo que “vale menos” será sacrificado naquilo que “vale mais”, prevalecendo o interesse público sobre o privado.