Abuso de Direito e Ato Ilícito
Abuso de Direito e Ato Ilícito
De forma simples, abuso significa uso excessivo ou incorreto, inapropriado. Juridicamente, o uso incorreto ou excessivo do direito por aquele que o tem. Pode ser entendido, ainda, como o fato de se usar uma faculdade, uma prerrogativa ou um poder além do que razoavelmente o Direito abrange e a sociedade permite. O exercício de um direito não pode afastar-se da finalidade para a qual foi criado. Não pode ultrapassar os limites aceitáveis.
Constitucionalmente, para a plena consolidação do Estado Democrático de Direito, nosso ordenamento jurídico impõe a todos nós padrões de comportamentos não apenas legais, mas também ético-morais.
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Ato ilícito ou antijuridicidade é um conceito do Direito que descreve qualquer ato que não seja permitido por lei. Pode ser um crime ou uma ofensa de natureza civil. Portanto, ilícito é qualquer ato contrário ao Direito.
Observe que há uma diferença fundamental entre Abuso de Direito e Ato Ilícito. Embora legal, o abuso decorre de um excesso, de uma incorreção. Já o ilícito nasce de uma ilegalidade, de um ato “contra legem”.
Citemos, pois, um exemplo bem inteligível no Direito de Vizinhança. A pessoa tem todo o direito de ouvir suas músicas em casa e nada poderá impedir que exerça tal direito. Claro! Porém, se ouvir suas músicas em volume extremamente alto, em horário impróprio, a pessoa deixou de exercer um ato lícito. Ocorre, no caso, uso excessivo e incorreto de um direito, tornando-o abusivo para, enfim, constituir-se em ato contrário à lei.
Assim, doutrinária e jurisprudencialmente, o exercício de um direito não pode afastar-se da finalidade para a qual esse mesmo direito foi criado. Pois aquele que transborda os limites aceitáveis de um direito comete ato ilícito.
Diversamente do velho Código Civil, o atual, taxativamente, positiva o Abuso de Direito através do seu art. 187, “verbis”: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Francisco Amaral, em sua obra “Direito Civil: introdução”, 5ª edição, p. 550, leciona o seguinte: “O abuso de direito consiste no uso imoderado do direito subjetivo, de modo a causar dano a outrem. Em princípio, aquele que age dentre do seu direito a ninguém prejudica (neminemlaeditquiiure suo utitur). No entanto, o titular do direito subjetivo, no uso desse direito, pode prejudicar terceiros, configurando ato ilícito e sendo obrigado a reparar o dano”.
“O abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe concede, deixa de considerar a finalidade social do direito subjetivo e, ao utilizá-lo desconsideradamente, causa dano a outrem” (in Sílvio Rodrigues, Direito Civil – Responsabilidade Civil, de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2.002)- São Paulo, Saraiva, p. 45).
O pai que, no exercício do poder familiar – diz Sílvio Rodrigues -, obriga o filho a comportamentos que o prejudiquem ou prejudique terceiro, é inegável que comete conduta abusiva, passível, inclusive, de ensejar suspensão ou até mesmo destituição do pátrio poder.
A doutrina de Paulo Nader, em “Curso de Direito Civil”, volume I, Forense, p. 552, aponta alguns requisitos que qualificam o ato como abusivo:
a) Titularidade do Direito: O agente responsável civilmente há de estar investido da titularidade de um direito subjetivo, ao exercitá-lo, por si ou por intermédio dos seus subordinados;
b) Exercício Irregular do Direito: O titular do direito vai além do necessário na utilização do que o seu direito;
c) Rompimento dos limites impostos: O titular do direito subjetivo ultrapasse os limites ditados pelos fins econômicos ou sociais;
d) Violação do direito alheio: É necessária a violação ao direito alheio para que o prejudicado possa se valer das medidas judiciais;
e) Elemento subjetivo da conduta: Dentre os elementos do ato ilícito tem-se a culpa como requisito da conduta. Todavia, no caso ato abuso de direito, o legislador não colocou de forma expressa a idéia de culpa, a qual poderia estar subentendida. Todavia, é dispensável tal elemento como requisito necessário para caracterizar o abuso de direito;
f) Nexo de Causalidade: É o liame entre a lesão causada e a conduta do agente.
Em outras palavras, a pessoa não pode se utilizar de um direito até o ponto de transformá-lo em causa de prejuízo alheio. O Abuso de Direito desenha um outro fator em um outro momento com o propósito de causar o dano pelo excesso ou pelo modo irregular. Abusa o titular de um direito por causar um malefício. A lei não deve permitir que alguém se sirva de seu direito exclusivamente para causar dano materiais, econômicos e morais a outrem.
Nas conclusões de Dinalva Souza de Oliveira, especialista em Direito Civil e Processo Civil pela UNESC, “a Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova era no direito pátrio. Percebeu-se claramente a preocupação do constituinte originário em estabelecer fundamentos éticos no texto constitucional, a exemplo da inserção com status de princípios fundamentais da República Federativa do Brasil valores como a dignidade da pessoa humana e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Em boa hora, o legislador do Código Civil de 2.002 positivou, de forma expressa, a teoria do abuso de direito em nosso ordenamento jurídico, em consonância com as legislações do Direito Comparado”.
Segundo Helena Carpena, em seu “Abuso de direito à luz do novo Código Civil”, o abuso de direito é caracterizado por um exercício que aparentemente é regular, mas desrespeita a finalidade do direito, enquanto no ato ilícito há um vício na estrutura formal de um direito. Os dois institutos se assemelham, porém não se confundem por terem efeitos idênticos. O ilícito, sendo resultante da violação de limites formais, pressupõe a existência de concretas proibições normativas, ou seja, é a própria lei que irá fixar limites para o exercício do direito. No abuso não há limites definidos e fixados aprioristicamente, pois estes serão dados pelos princípios que regem o ordenamento os quais contêm seus valores fundamentais’.
Com o advento da internet, nas relações cotidianas das redes sociais, o Abuso de Direito é mais forte e mais gritante em comportamentos abusivos. Impera, pois, o abuso do exercício da liberdade de expressão, abrindo portas para uma série de atentados ao Direto.
Usa-se da “emulação”, da disputa com sentimentos baixos, exercitando-se um direito com o propósito de prejudicar outrem. O individuo em vez de ter o intuito de tirar para si próprio um benefício, ele tem consciência que vai causar prejuízo a outra pessoa. Age de maneira totalmente abusiva, desfrutando de um direito para conseguir prejudicar ostensivamente. Na internet, exercita-se imoderadamente um direito para ofender e causar danos. Um Abuso de Direito que pressupõe violação de direito alheio mediante conduta intencional que exorbita o regular exercício de um direito subjetivo, que é o direito de opinar e contestar.
Por camuflar uma intenção malévola, por esconder um propósito prejudicial, adredemente intencional e calculado, o Abuso de Direito em determinados casos torna-se, na prática, mais grave que o próprio Ato Ilícito.