Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica

Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica

Reina uma polêmica entre os estudiosos e aplicadores do Direito quanto à responsabilização penal da pessoa jurídica nos crimes contra a ordem econômica, financeira e tributária.

A Lei Federal nº 4.729/65, que define o crime de sonegação fiscal, em seu art. 1º dispõe que, “constitui crime de sonegação fiscal, prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e quaisquer adicionais devidos por lei; e, também, inserir elementos inexatos ou omitir, rendimentos ou operações de qualquer natureza em documentos ou livros exigidos pelas leis fiscais, com a intenção de exonerar-se do pagamento de tributos devidos à Fazenda Pública”.

O art. 6º, do mesmo Diploma Legal, reza: “Quando se trata de pessoa jurídica, a responsabilidade penal pelas infrações previstas nesta Lei será de todos os que, direta ou indiretamente ligados à mesma, de modo permanente ou eventual, tenham praticado ou concorrido para a prática da sonegação fiscal”.

Uma pergunta: “De acordo com as disposições legais, a pessoa jurídica (seja de direito público ou privado) poderá cometer crime contra a ordem tributária por sonegação fiscal?” De pronto, não! Vamos ao tema, então.

No Direito Penal, a Teoria do Delito e a Teoria da Pena têm como pilares a punição do ser humano – não passa disso. Quando pessoa jurídica individual, o delito e a pena devem recair sobre a pessoa física que representa a jurídica, seja ela de direito público ou privado; quando coletiva, deverá recair sobre os representantes legais-gestores (quando pública) ou sobre os sócios ou diretores (quando privada) que tenham praticado ou concorrido para a prática, por exemplo, do crime de sonegação fiscal no sistema tributário de impostos com descontos e recolhimentos na fonte.

Pela Teoria do Delito no Direito Penal, não pode a pessoa jurídica ser sujeito ativo de crime. Não pode, portanto, praticar fato típico, ilícito e culpável. Isso porque a Teoria do Delito só é compatível com o ser humano, com a pessoa física como agente delitivo.

Da doutrina de Fernando Galvão da Rocha colhe-se o seguinte entendimento: “O conceito jurídico-penal de culpabilidade é referido à consciência da ilicitude do fato que se expressa na finalidade delitiva da pessoa física. Somente a pessoa humana pode vivenciar o entendimento sobre a ilicitude do fato praticado. Não se pode utilizar o conceito de culpabilidade para responsabilizar a pessoa jurídica. O conceito de culpabilidade não foi elaborado para isso. Nem mesmo a noção normativo-social de culpabilidade se presta a reprovar a pessoa jurídica, como sustentam alguns autores. Para aplicação à pessoa jurídica, o conceito de culpabilidade deve ser modificado em sua essência, passando a apresentar outro conteúdo (...). O fato é que, não se pode utilizar as noções do direito penal clássico e sua teoria do delito para responsabilizar a pessoa jurídica” (in “Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica” - Belo Horizonte - Del Rey – 2003 - p. 40).

No que concerne à Teoria da Pena, a sanção penal é a resposta estatal consistente na privação ou restrição de um bem jurídico ao autor de um fato punível. Por conseguinte, pune-se alguém (fisicamente) pelo simples fato de haver cometido um crime. Ou seja, a pessoa deve retribuir com um mal o mal causado. A pena passa a ser algo instrumental de combate ao crime contra alguém, fisicamente, e não contra outrem, constituído juridicamente.

“O objeto do juízo de valor, a partir do qual se constrói a norma jurídico-penal, tem sido sempre a conduta humana, que representa o exercício de uma atividade finalística. A conduta é pressuposto indispensável a todos os elementos constitutivos da noção jurídica de crime e, como observa Eduardo Correia, sua consideração deve ocorrer antes da doutrina da tipicidade e mesmo fora dela, embora já na construção conceitual de delito” (Fernando Galvão da Rocha – ob. cit.)

A conduta dolosa, para casos específicos de crime tributário por sonegação fiscal, somente prevalece para a pessoa física e não para a jurídica. Porque o dolo é composto por dois elementos característicos: consciência (elemento intelectivo) e vontade (elemento volitivo).

Na previsão culposa, como avalia muito bem Vania Samira Doro Pereira, advogada especialista em Direito Processual pela PUC-Minas e em Direito Ambiental pela Universidade Gama Filho, Pós-graduanda “lato sensu” em Ciências Penais na PUC Minas, esta “consiste em uma conduta voluntária que realiza fato ilícito não querido ou aceito pelo agente, mas que foi por ele previsto (culpa consciente) ou lhe era previsível (culpa inconsciente) e que poderia ser evitado se o agente atuasse com o devido cuidado”.

Diz ainda a estudiosa: “Os fins propostos pela pena, sejam os de prevenção, retribuição ou ressocialização, não podem ser alcançados no caso de penalização da pessoa jurídica justamente pela ausência de consciência, que se demonstra indispensável ao Direito Penal. A pessoa jurídica não é alcançada pelo temor da pena (exercido na sociedade pela cominação abstrata da sanção penal – prevenção geral) e não sofre com a efetiva aplicação da pena em concreto (prevenção especial e retribuição). Do mesmo modo, não há que se falar em reinserção da pessoa jurídica no convívio social. Como percebe-se, o Direito Penal, no que até o momento fora analisado, é completamente impróprio à pessoa jurídica. Seus institutos são incompatíveis com a natureza unicamente jurídica de existência do ente moral”.

Para o renomado especialista Rogério Greco, “(...) A pessoa jurídica, como sabemos, não possui vontade própria. Quem atua por ela são seus representantes. Ela, como ente jurídico, sem auxílio das pessoas físicas que a dirigem, nada faz. Não se pode falar, portanto, em conduta de pessoa jurídica, pois que, na lição de Pierangeli, 'a vontade de ação ou vontade de conduta é um fenômeno psíquico que inexiste na pessoa jurídica'. Problema ainda maior será verificar a culpabilidade de uma pessoa jurídica. Quando poderá ela sofrer um juízo de censura, já que a própria censurabilidade é própria do homem?” (in “Curso de Direito Penal” - 11ª edição - Rio de Janeiro – Impetus – p. 179).

O jurista e ex-magistrado Luiz Flávio Gomes segue o mesmo raciocínio, para compreender que “a responsabilidade penal, diferentemente da civil, tributária, etc., deve recair diretamente sobre a pessoa que exteriorizou o fato, que se envolveu causal e juridicamente no fato (...) a responsabilidade penal é personalíssima (intransferível). Ninguém pode ser penalmente responsabilizado no lugar do verdadeiro infrator” (in Direito Penal: Parte Geral: 2. tir - São Paulo - Revistas dos Tribunais – 2007 - v. 2).

“A pessoa jurídica não possui existência natural, própria dos seres humanos. Desse modo, não têm consciência e vontade. Assim, não poderão praticar condutas (ações ou omissões) dolosas ou culposas. A pessoa jurídica não pode agir por si só. Dessa maneira, descaracterizado resta o fato típico (primeiro substrato do conceito de delito)”, diz ainda o ministério da pós-graduada Vania Samira.

Na sonegação fiscal, a lei pune os gestores e/ou diretores quando pessoa jurídica de direito público; quando de direito privado, os sócios e/ou diretores e prepostos responsáveis.

Por fim, a pessoa jurídica, como ente moral abstrato, seja na esfera pública como na privada, deverá sofrer as consequências decorrentes das esferas civil e administrativa, sanções punitivas compatíveis com sua respectiva natureza jurídico-legal, como, por exemplo, a desconstituição da personalidade jurídica. Isso porque - como diz Vânia Samira - “o sistema de tutelas à ordem econômico-financeira e o sistema jurídico-penal adotados devem ser interpretados de forma coerente”. Cada um de “per si”.

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