Vocação na magistratura

É preciso ter sobretudo prudência, imparcialidade e segurança

Por Miguel Dias Pinheiro,

Antes de adentrar ao tema, a magistratura exige comprometimento, senso cívico, ética e vocação. "Três coisas devem ser feitas por um juiz: ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente" (Sócrates).

Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afastou do cargo a juíza Ludmila Lins Grilo, da Vara Criminal e da Infância e Juventude de Unaí (MG). Na decisão de afastamento o CNJ considerou que a magistrada"(...) não cumpre seus deveres básicos, deixando de comparecer no fórum mesmo sem ter autorização para realizar teletrabalho, negligenciando a gestão do cartório e deixando fiscalizar os atos de seus subordinados. Réus presos sem sentença, réus soltos sem audiência, um desleixo absoluto com a atividade".

Foto: Reprodução/facebookMiguel Dias Pinheiro
Miguel Dias Pinheiro, advogado

Bolsonarista convicta e militante política agressiva, em plena pandemia, com mortes acelerando-se, a magistrada afastada ensinou o "passo a passo" para andar sem máscara no shopping de forma legítima, sem ser admoestado (advertido) e ainda posar de bondoso. E ensinou para a prática do Crime Contra a Saúde Pública: 1 – compre um sorvete. 2 – pendure a máscara no pescoço ou na orelha, para afetar elevação moral. 3 – caminhe naturalmente”.

Durante a decisão de abrir processos contra juíza, o ministro Luís Felipe Salomão (CNJ) afirmou que Ludmila demonstrou total desleixo com o trabalho e “imenso desprestígio”. A juíza passou a ser investigada por publicar nas redes sociais críticas aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). E, pior, menosprezar o próprio cargo que exerce.

Sem dúvida, violou todos os princípios de comprometimento, de senso cívico e de ética. Além do que não ter demonstrado vocação profissional.

No "século de ouro espanhol", é do escritor e pensador Francisco Quevedo: "Causam menos danos cem delinquentes do que um mau juiz". Assim, todo(a) juiz(a) vocacionado(a) tem que compreender a máxima de Quevedo na sua plenitude. Magistrados(as) como a juíza afastada tornam a magistratura um meio de vida e não um ambiente para uma prática vocacional determinante.

A douta literatura nos ensina que vocação é a disposição natural e espontânea que orienta uma pessoa no sentido de uma atividade, de uma função ou profissão; de um pendor; de uma propensão; de uma tendência;...

Dez anos passados, o eminente desembargador piauiense Brandão de Carvalho escreveu um artigo intitulado ""Ser juiz: Profissão ou Vocação", no qual ditou que, "juiz, mesmo que se esforce para não se sensibilizar com os problemas que lhe são postos à solução, de uma forma ou de outra é atingido por todo este drama humano no qual irá pontilhar a melhor solução. O juiz não pode generalizar o mal, nem descrer do bem, porque em cada conflito eles estarão entremeados para que o juiz tenha conhecimento e sabedoria para distingui-los, ainda que ocultos sob os mais variados disfarces e enevoados por circunstâncias previsíveis ou inopinadas".

Nas entrelinhas, a decisão do CNJ que afastou a magistrada em Minas Gerais deixou bastante evidente que, no âmbito da magistratura, não se pode generalizar o mal e nem se descrer do bem. Na magistratura vocação se diferencia de profissão.

O também não menos culto Jessé Torres Pereira Junior, desembargador do Tribunal de Justiça e professor da Escola da Magistratura do estado do Rio de Janeiro, sustenta com propriedade que a carreira de juiz trás mais restrições que permissões. Sobre o(a) juiz(a), arremata: "Não pode supor-se um ser superior em formação, virtude ou inteligência, porque, ainda que as tenha em dose generosa, de nada valerão se não colocadas a serviço do ofício de julgar com justiça. Ou seja, são ferramentas, não fins em si mesmos".

"Magistratura não se trata de uma profissão, mas sim de uma vocação’, diz o juiz do TJ-RJ Anderson Paiva. Não será pelo aspecto da independência financeira que será buscada uma carreira na magistratura. Mas, sim, a partir da vocação. O primeiro e eterno pensamento que deve povoar a mente de uma pessoa vocacionada à magistratura é "julgar". Assim, todo(a) magistrado(a) não pode descrer do bem e propagar o mal, como fez a juíza despida de vocação profissional. Enfim, despreparada.

Como bem concluiu a jornalista Manoela Moreira, em suas pesquisas sobre o exercício da judicatura, "o magistrado luta para defender os ideais e a hombridade da carreira perante si e a sociedade. Por isso mesmo, é preciso ter sobretudo prudência, imparcialidade e segurança".

Fonte: Portal AZ

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