O fator humano e as mudanças climáticas
Ao contrário do que dizem, as mudanças climáticas são um consenso científico
Vivemos uma crise climática que assola todo o planeta. O relatório de 2023 do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, IPCC na sigla em inglês, informa que vivenciamos um aumento médio de 1,1º C que já resulta em fenômenos climáticos sem precedentes, alguns deles irreversíveis.
Os efeitos desses fenômenos climáticos sobre as pessoas, como perdas de produtividade agrícola ou epidemias de doenças transmitidas por vetores, vinha sendo subestimado até pelo próprio IPCC. Isso tende a piorar à medida que a temperatura aumentar. No entanto, esforços para reverter a emissão dos gases de efeito estufa ainda são pequenos e mal financiados. Sem essa redução nas emissões, há mais de 50% de chance de ultrapassarmos 1,5º C de aquecimento até 2040.
Ao contrário do que dizem, as mudanças climáticas são um consenso científico, são causadas por humanos e não são um boato das potências mundiais para evitar o desenvolvimento de outras nações. Alegar que não existe adesão global entre a comunidade científica ou que os modelos de previsão da temperatura são imprecisos é
desconhecer como funciona a ciência. Da mesma forma, a temperatura global já oscilou ao longo da história de nosso planeta. É claro que a Terra já passou por períodos mais quentes, como quando éramos uma bola de lava incandescente no Pré-
Cambriano ou a superfície terrestre estava coberta por vulcões há 54 milhões de anos atrás, mas essa não é uma comparação muito honesta, certo? A velocidade desse aquecimento também preocupa, já que é mais rápido do que formas de vida animais e
vegetais conseguem se adaptar, como demonstra a crise da biodiversidade que acompanha a crise climática.
Nós, cientistas, perdemos tempo demais insistindo que deveríamos reverter as mudanças climáticas para salvar os ursos polares ou as gerações futuras. Nossa espécie se mostrou egoísta o suficiente para responder um “sinto muito” para eles.
Agora fica claro que não são os ursos polares e nem os nossos tataranetos que pagarão, nós mesmos já estamos pagando.
A década passada foi a mais quente dos últimos 125 mil anos. A cobertura de gelo no
Ártico e as geleiras recuaram, à medida que o nível do mar aumentou no último milênio. A temperatura da água e a acidez dos oceanos atingiu seu máximo desde a última era do gelo. Há 2 milhões de anos não há tanto CO 2 na atmosfera. Ondas de calor como as que vivemos em Brasília no final de 2023 se tornam mais intensas e frequentes com as mudanças climáticas e afetaram a produção de grãos e hortaliças, impactando até nossos bolsos. Até a dengue que enfrentamos esse ano tem aumentado sua incidência mundial devido ao aquecimento, segundo a OMS.
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Para estancar o aquecimento global, nossa única esperança é reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa. Nem mesmo a recaptura do carbono atmosférico por meio de reflorestamento, por exemplo, deve dar resultados significativos. A solução
está em reduzir a emissão, principalmente de CO 2 . Só que isso exige mudanças profundas na nossa sociedade que vão de como nos deslocamos até o que comemos. Para ajudar a promover essa mudança comportamental, foi preciso reunir um novo
grupo de cientistas no Painel Internacional de Mudanças Comportamentais, o IPBC na sigla em inglês.
O IPBC é composto majoritariamente por cientistas humanos que colocam o fator humano no centro da equação. Cientistas políticos avaliam como inserir a questão climática seriamente na agenda política. Educadores e comunicadores elaboram estratégias efetivas de conscientizar a população sobre o problema. Marketeiros consideram a forma mais convincente de apresentar os dados e ações necessárias.
Psicólogos analisam como fazer cada indivíduo abandonar hábitos e sociólogos pensam uma maneira de tornar todas as mudanças um padrão social. É um esforço comunitário para promover as mudanças necessárias para a sobrevivência global.
Físicos, geólogos, biólogos, meteorologistas, químicos e outros cientistas naturais são fundamentais para entender o fenômeno das mudanças climáticas e prever cenários futuros. Mas para promover as mudanças necessárias é fundamental que o fator humano seja considerado. Será impossível solucionar a crise climática e proteger assim a nós mesmos no presente sem abordar os fatores que levam pessoas a
mudarem ou a resistirem em mudar de atitude.
Eduardo Bessa - Professor do Programa de Pós-graduação em Ecologia da UnB
e Pesquisador da Rede Biota Cerrado / [email protected]
Fonte: Rede Biota Cerrado