O PCC e a política: um raio X no caso piauiense
No começo de 2010, o PCC já havia se instalado na zona sul de Teresina
Até a primeira metade da década de 1990, o crime no Piauí se manifestava entre o 'crime organizado' de agentes públicos e classe abastada, como foi o caso mais famoso, Correia Lima, e as gangues nos bairros mais pobres.
No fim dos anos 90, o crime organizado começou a ser desbaratado e teve como saída, ou efeito natural, migrar para a vida política, e as gangues começaram a crescer e escalar em conflitos com grupos rivais.
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A rivalidade entre essas gangues levou muitos de seus membros a migrarem para fugir da morte — geralmente após ameaça — para os grandes centros do país, como São Paulo ou Rio de Janeiro.
Em São Paulo, o crime era comandado pelo PCC. Era natural, então, que esses membros migrantes de gangues tendessem a se juntar com membros dessas facções e retornassem ao estado após um tempo com a função de 'expandir os negócios'.
No começo de 2010, o PCC já havia se instalado na zona sul de Teresina e teve como prática inicial matar todos os chefes de gangues para ocupar esses espaços e, nas cadeias, começaram a arrebanhar adeptos. Em 2012 já era o maior grupo criminoso da capital.
O crescimento do PCC foi tão grande e rápido que o Secretário de Justiça na época, Henrique Rebello, negociou com o grupo criminoso regalias nas cadeias e transferência de um membro para São Paulo por medo.
"Esse pessoal [do PCC] é superperigoso. Não podíamos deixar que o problema de dentro do sistema atingisse a sociedade. Por isso, atendemos às reivindicações", disse Rebello na época para reportagem do UOL.
PCC e Guerrilha bolivariana
Formado no início dos anos 90, ou melhor, em 1993, o maior grupo organizado criminoso do país, o PCC, teve como prática o uso da cartilha do narcotráfico boliviano.
Narram o procurador Márcio Sérgio Christino e o jornalista Cláudio Tognolli em seu livro 'Laços de Sangue: a história secreta do PCC', que Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, teve em meados de 2002 um importante apoio intelectual e em treinamento estrangeiro de esquerda.
O treinamento veio de nada mais nada menos que um dos guerrilheiros mais importantes para esquerda latino-americana, o chileno Maurício Hernandez Norambuena, preso na época em São Paulo pelo envolvimento no sequestro do publicitário Washington Olivetto.
Norambuena se tornou segundo Marcola, seu professor e mudou o PCC de um grupo desorganizado e baderneiro do inicio dos anos 2000, numa facção com dinheiro e influência.
Além das táticas de organização de guerrilheira urbana e sindicalização dos membros, Marcola aprendeu com Norambuena que o grupo precisava se organizar entorno de uma classe pensante de intelectuais e juristas, o que faria sua frente acadêmica e de proteção legal, bem como política.
Norambuena afirmava que os meios apresentados por ele e empregados por Marcola eram o mesmo que levou o líder revolucionário e membro de umas das maiores redes de distribuição de drogas da Bolívia, Evo Morales, ao poder do executivo no país.
Voltando ao Piauí
No Piauí, o PCC seguiu seus passos, avançando da expansão guerrilheira para a suplantação das gangues, sindicalizando os membros por meio de uma rede de apoio nos presídios.
Mas estranhamente, o Ministério Público investiga a possibilidade de interferência do tráfico nas eleições do estado, fazendo o terceiro eixo do grupo, o político.
Um dos investigados pelo MP é Ramon Santiago Matos Nascimento, detido na cadeia pública de Altos desde novembro de 2023, por fazer parte de uma quadrilha de traficantes de cocaína.
Segundo a investigação, ele era responsável pela logística desde o transporte até o armazenamento da droga, vinda da Bolívia e distribuída no Piauí. Nas contas do grupo, a polícia encontrou 30 milhões de reais.
Poucos meses após sua prisão, no início de 2024, Ramon era um comissionado na folha de pagamento da Assembleia Legislativa do Piauí (ALEPI), atuando como assessor parlamentar e recebendo um salário mensal de 9 mil reais, mesmo estando detido.
As investigações apontam que quem o nomeou foi o deputado Franzé Silva (PT), atendendo a um pedido do deputado Georgiano Neto (MDB), filho de uma suplente ao Senado que assumiu o cargo após Wellington Dias deixar a cadeira para assumir ministério no governo Lula, Jussara Lima (PSD).
Durante as investigações que levaram Ramon à cadeia, descobriu-se que o grupo criminoso ajudava ao adesivar carros para a campanha de Georgiano e frequentava ativamente seu comitê de campanha.
Outro político, Jadyel Alencar (PV), dono das empresas Jupi, teve seu comitê frequentado por Ítalo Freire Soares de Sá, identificado como operador financeiro do mesmo grupo criminoso de Ramon.
Ítalo foi visto, segundo a polícia, deixando sacolas abarrotadas com conteúdo desconhecido na sede do comitê de Jadyel.
A quadrilha não apenas frequentava e adesivava carros, mas membros do núcleo de operação financeira também realizaram doações oficiais para candidatos, segundo declarações do TSE.
Um dos casos mais notórios foi o de uma candidata a vereadora investigada pelo MP, que tinha um salário de 1.700 reais como professora, mas movimentou 6,4 milhões de setembro de 2020 a agosto de 2022.
As investigações estão em curso e, até agora, os indícios apontam para uma relação suspeita com políticos e empresários, bem aos moldes que Norambuena desenhou.
Fonte: Portal AZ