Bebê Reborn: o vazio existencial do pós-feminismo
Como Beauvoir e Foucault criaram um mercado de “bebês” sem alma e mães sem filhos
Vivemos uma era marcada por próteses simbólicas. O que antes era vivido em sua densidade natural — nascimento, vínculo, maternidade, cuidado — hoje é emulado por formas artificiais, estéreis e comercializáveis.
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O “bebê reborn”, boneco hiper-realista vendido por milhares de reais, tratado por mulheres adultas como filhos e, com direito a enxoval, nome, carrinho e rotina, tornou-se símbolo pungente de um tempo que desprezou a maternidade real, apenas para tentar reconquistá-la sob forma plástica, fetichizada e silenciosa.
Esse fenômeno, frequentemente abordado pela mídia sob uma ótica de empatia terapêutica ou exotismo comportamental, não pode ser compreendido fora de seu contexto civilizacional. O bebê reborn não é um brinquedo; é um sintoma.
Ele revela o fracasso de uma cultura que tentou apagar o instinto materno em nome de uma “libertação” que, ao negar o corpo e o tempo, conduziu ao deserto afetivo.
Desde Simone de Beauvoir, o feminismo hegemônico na academia e nos ciclos culturais, empreendeu uma cruzada simbólica contra a maternidade.
Ao afirmar que “não se nasce mulher: torna-se mulher”, Beauvoir abriu espaço para que a feminilidade fosse entendida não como enraizada na biologia, mas como uma construção social e empurrada goela abaixo de moças e mulheres. O problema não reside na crítica, até certo ponto legítima, dado que à opressão histórica das mulheres, mas na transformação da maternidade em sinal de submissão, alienação e servidão doméstica.
Sob essa ótica, desejar ser mãe passou a ser, para muitas, uma espécie de capitulação ideológica, uma aceitação das teses chauvinistas. A mulher emancipada deveria negar o ventre, o lar e a gestação — não como escolha, mas como exigência cultural da nova ortodoxia progressista.
O resultado é uma geração de mulheres ensinadas a desconfiar do amor maternal, a postergar indefinidamente a fecundidade, a investir na carreira como única via de sentido e a olhar para a criança como um obstáculo à autonomia, um problema que se interpunha até o cargo de executiva de alguma farmacêutica do qual se consome metade dos remédios para problemas de desordem emocional.
Mas o corpo feminino, ainda que disciplinado pelo discurso, não se cala para sempre. O relógio biológico, esse ruído mudo que cresce com os anos e irrompe como um assovio alto, cobra sua fatura.
A recusa à maternidade não extingue o desejo; apenas o empurra para formas deslocadas, sublimadas, por vezes patéticas. A mulher que veste e embala um bebê reborn está, na verdade, em luto: não pelo que perdeu, mas pelo que não viveu e a depender da idade, não viverá.
Esse luto que é geracional, simbólico, íntimo, se agrava quando percebemos que não há rede de apoio, nem comunidade, nem família ampliada que acolha essa dor.
E aqui entra o segundo eixo crítico, a política antimanicomial inspirada por Michel Foucault.
Ao denunciar os hospitais psiquiátricos como instrumentos de dominação e controle, Foucault expôs abusos reais, mas também deslegitimou toda forma de estrutura institucional de cuidado. O resultado? Uma sociedade que libertou os corpos do asilo, mas os abandonou nas ruas, nos apartamentos vazios, nas farmácias e agora nas vitrines dos bonecos terapêuticos.
O ideologia vendeu uma negação do “biopoder”, mas negava de fato a biologia e não pode com as forças que a natureza empurrou para fora suas ideologias, uma cobrança pesada até demais.
Fato é que a mulher que simula o amor materno com um boneco caríssimo não é culpada: é vítima de uma era que substituiu o cuidado pelo consumo, o afeto pelo fetiche, a terapia pela mercadoria. A maternidade foi exilada da linguagem pública — e retornou pela porta dos fundos, disfarçada de hobby terapêutico.
Como bem disse Chesterton, “o mundo moderno está cheio de ideias cristãs enlouquecidas”. A maternidade, privada de seu lugar simbólico e espiritual, tornou-se caricatura e não mais sagrada, nem sequer banal, mas simulada, um rascunho malfeito do amor de uma mãe por um filho que chora pedindo colo. Hoje o “filho” não chora.
O bebê reborn, portanto, é o ídolo de um tempo órfão. Ele revela o vazio deixado por ideologias que, ao prometer emancipação, impuseram repressão a tudo que remete à doação de si. Substituir o filho real por um boneco inerte, inodoro e mudo — que não chora, não adoece, não exige sacrifício — é também reflexo de um individualismo radical que deseja o amor sem o outro, a maternidade sem o parto, o vínculo sem entrega. É querer ser mãe, sem o ônus de sê-lo.
A maternidade não é, como pensam certas correntes feministas, um fetiche conservador, mas uma dimensão ontológica da experiência feminina. E não é fácil — aliás, é dificílimo ser mãe. Mas negá-la em nome de teorias sociológicas é reduzir a mulher a um projeto ideológico.
A cultura que mata o útero em nome da liberdade logo tenta ressuscitá-lo em vinil. O relógio biológico, ignorado nas universidades, reaparece nos carrinhos de bebê que empurram o nada. Estamos diante de um paradoxo cruel: a geração que recusou a maternidade agora tenta recriá-la com bonecos.
Eis a verdade que se impõe aos nossos olhos: o progresso, quando despreza a natureza humana, não liberta — apenas gera novas formas de sofrimento, mais caras, mais solitárias, mais silenciosas. E é por isso que o bebê reborn não é um brinquedo, mas um grito. Um grito sem voz. O lamento estéril de uma civilização que esqueceu de amar no tempo certo — e que, como consolo, recebe de volta apenas o vazio estático e o rosto inerte de um boneco chamado de “filho amado”.
Este texto não reflete a opinião do Portal AZ, mas a opinião do articulista que a escreveu.
Fonte: Portal AZ