Os tentáculos do Comando Vermelho no Piauí: mortes, agentes públicos e grilagem

Membros de facção carioca presos pela Draco implicam membros da PM e da PC-PI em supostos crimes

Por José Ribas Neto,

O Piauí se tornou a nova rota do tráfico de drogas no país. Localizado entre o Maranhão e o Ceará, o tráfico na região litorânea da cidade de Ilha Grande tornou a região geograficamente atraente para uma das principais e mais antigas facções do país: o Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, que agora recebe drogas por barco em vez de avião, como costumavam fazer no Sudeste, algo que se tornou mais difícil devido ao endurecimento do combate às drogas no Rio de Janeiro e em São Paulo.

O mar e o grileiro de terra

As drogas que chegam por via aérea ao Norte do país, e depois por meio hidroviário dos países líderes na produção de drogas – Bolívia, Venezuela e Colômbia– encontram facilidade em uma região com menor vigilância para a entrada de entorpecentes.

Foto: IBGEMapa do litoral do Piauí
Mapa do litoral do Piauí

A facção chega até mesmo a grilar terras, usando para isso agentes públicos e montando milícias para manter a máquina criminal.

Um dos faccionados mais importantes nesta operação é André Luiz Félix da Silva, um dos líderes do Comando Vermelho que chegou à região praieira do Piauí no ano de 2020 com o único intuito de lotear a área para o grupo. Na época, um dos investigadores do caso chegou a dizer a um jornalista as seguintes palavras:

“Ele atuava na região de Parnaíba, Cajueiro da Praia, Luís Correia e Barra Grande. O Comando Vermelho começou a atuar no Piauí exatamente nesta região de Cajueiro, especialmente em Barra Grande”.

O resultado não tardou a aparecer. As operações recentes da Polícia Federal mostram um verdadeiro entranhamento de membros na máquina pública, em órgãos notariais e até na polícia.

A PF, na ‘Operação Tratado de Tordesilhas’, ainda no mês de maio deste ano, afirma que servidores públicos ajudavam a lavrar documentos de terrenos falsos para a obtenção de áreas da União em Cajueiro da Praia. A DPU denunciou um fato ainda mais grave: milícias tomando casas e terrenos de pescadores para grilagem de grupos criminosos, segundo denúncia do defensor público da União (DPU), José Rômulo Plácido Sales, ao Ministério Público Federal (MPF) e à Secretaria de Segurança Pública (SSP) na pessoa do secretário Chico Lucas.

Foto: SSP-PIChico Lucas com denúncia de Milícias no Litoral
Chico Lucas com denúncia de Milícias no Litoral

Além disso, a prisão de um policial em Pedro II por participação e a apreensão de mais de 800 kg de cocaína na região de Picos – a maior apreensão deste ano no Brasil – revelam uma conexão profunda e anteriormente ignorada.

O roubo no fórum

Denúncias proliferam, não sendo restritas ao litoral. O caso mais recente em Piripiri envolve um funcionário cedido pela prefeitura da cidade ao fórum criminal, acusado de furto de celulares apreendidos de faccionados dentro do fórum da cidade, que poderiam conter conteúdos valiosos para investigar e desbaratar a facção criminosa.

Foto: ReproduçãoMedeiros, o suspeito do furto de aparelhos celulares de processos contra integrantes do Comando Vermelho
Medeiros, o suspeito do furto de aparelhos celulares de processos contra integrantes do Comando Vermelho

O advogado contratado para a defesa do acusado Francisco Edvan Medeiros Júnior, é Juan Pablo Lopes Mendes Moura, que já advogou para membros da facção, como Antônio Isnael Neves Silva, apontado pela DRACO como chefe do grupo em Pedro II.

Foto: Reprodução/InvestigaçãoAdvogado Juan Mendes e o acusado de integrar o CV, Isnael Neves.
Advogado Juan Mendes e o acusado de integrar o CV, Isnael Neves.

Pedro II e o policial do tráfico

Isnael era o líder da facção na cidade de Pedro II. Abaixo dele, Jorge Aluísio dos Santos repassava ordens para os matadores do grupo, apontados como Jairo Diolindo e Raylam de Oliveira. Além desses, chama atenção o suposto envolvimento do policial militar Francisco Filho, apontado como um dos guardas da facção na cidade e um dos responsáveis pelo transporte de drogas e armas, além de sondar informações dentro do batalhão e da delegacia sobre operações e investigações contra o Comando Vermelho.

Foto: Reprodução/InvestigaçãoOrganograma do grupo Comando Vermelho em Pedro II
Organograma do grupo Comando Vermelho em Pedro II.

Na cidade, o grupo foi apontado como suspeito da morte de desafetos, entre eles de Lauro Coelho, ex-membro do Comando Vermelho, assassinado dentro de seu carro na região central da cidade.

A polícia também mapeou a expansão do grupo pela cidade, através das pichações com as letras ‘CV’, marcando o território do grupo, que por sua vez indicava pontos de encontro e venda de drogas do grupo criminoso.

Foto: Reprodução/InvestigaçãoPichação marcando área de dominio da facc~
Pichação marcando área de dominio da facção na cidade de Pedro II

Piripiri, o advogado e o Delegado

Em Piripiri, as investigações abertas mostram que um advogado ameaçado pode ser vítima de uma facção que envolve denúncias contra policiais militares, delegado e até uma vereadora.

O advogado, que antes do caso era policial militar na cidade entre os anos de 2011 e 2018, saiu das fileiras da polícia militar e denunciou uma milícia na cidade com ligações com o tráfico. As investigações apontaram que, a partir deste momento, sua vida foi permeada por ameaças e um constante medo de morrer a qualquer momento. Segundo a denúncia, milicianos lotados no 12º Batalhão da Polícia Militar de Piripiri chegaram a praticar um atentado durante uma falsa ocorrência.

Foto: Reprodução/InvestigaçãoTrecho de parte da investigação do atentando contra o denunciante
Trecho de parte da investigação do atentando contra o denunciante

As denúncias levaram, em 2020, o então governador Wellington Dias a remover o comandante Erisvaldo Viana, apontado como um dos chefes da milícia, do comando do batalhão de Piripiri. O denunciante do caso, advogado Humberto Chaves, chegou a ser agredido, diz a denúncia, dentro da delegacia da cidade em suposta retaliação, o que levou até mesmo a Ordem dos Advogados a requerer proteção para ele, além de uma investigação e, posteriormente, ao indiciamento do PM Domingos Souza.

Acordo de cavalheiros 

Em 2023, segundo dados em denúncia, a milícia e o Comando Vermelho fecharam um acordo de cavalheiros, e a morte do advogado  era desejada pelo grupo de milicianos, conforme mostrado em áudio de faccionado anexado aos autos na época. Sem proteção, mesmo com pedido da OAB ao delegado-geral Lucy Keiko, o resultado foi a vítima indo embora do Piauí temendo pela vida.

Após os fatos, o delegado da cidade Lucas Klinger chegou a processar o denunciante por comentário em postagem em rede social de uma vereadora, mesmo sem o comentário o citar, e fazer referência a terceiros.

Uma das relações profundas do Comando Vermelho na cidade é com a política. Uma investigação da Polícia Federal na cidade chegou mesmo a encontrar notas de gastos com combustíveis da câmara de vereadores em posse de Claudinaio do Nascimento Fárias, posteriormente preso pela DRACO por envolvimento com o grupo, além da intricada relação com o judiciário, seja pela comarca ou pelo Ministério Público, que levou a investigação a apontar que criminosos tinham acesso a autos antes mesmo de advogados e investigadores da polícia.

Foto: Reprodução/PFNotas do que foi recolhido na casa de membro do CV, incluindo notas de gastos da Câmara de Vereadores.
Notas do que foi recolhido na casa de membro do CV, incluindo notas de gastos da Câmara de Vereadores.

Tanto que o policial preso em Pedro II por envolvimento com o Comando Vermelho era membro do batalhão outrora de Piripiri. O chefe do Comando Vermelho em Pedro II teve exposta  a relação com Dayane Barros Mendes, advogada e esposa do Cel. Erisvaldo Viana. Também é réu no caso, David Marion Barros atual Subcomandante do 12⁰ Batalhão de Piripiri, que irmão de Dayane e casado com a Vereadora Esmaela Macedo, todos são réus nos autos do Processo Criminal de n⁰ 0000359-83.2014.8.18.0065, e em uma ação civil coletiva de n⁰ 0000793.72-2014.8.18.0065 diz a denúncia, do comandante afastado por suposta irregularidades denunciadas pelo advogado Humberto Chaves em 2020. Na época, o próprio coronel gravou um vídeo atacando o advogado.

Foto: Reprodução/JudiciarioTrecho da ação penal que envolve vereadora, esposa de comandante e um coronel da PM-PI
Trecho da ação penal que envolve vereadora, esposa de comandante e um coronel da PM-PI

O delegado Lucas Klinger, que assumiu o comando da delegacia de combate às facções na região, também, após processar o denunciante por um comentário em rede social, recebeu o título de cidadão da cidade pela vereadora Andrea Azevedo, justamente a questionada pelo denunciante.

Lucas, outrora policial militar, foi denunciado e indiciado por tortura durante o exercício na PM e acusado de compor a milícia, conforme denúncia de 2014. Agora delegado, Lucas Klinger namora a advogada Katylen Medeiros. Segundo denúncia, ela é apontada como defensora da cúpula do Comando Vermelho na região, junto com Antonio Mendes, pai do advogado já citado, Juan. 

Foto: Reprodução/InvestigaçãoRelação entre delegado e advogada de membros do CV é romantica.
Relação entre delegado e advogada de membros do CV é romantica.

Além disso, denunciantes de supostos crimes do delegado foram assassinados, e os crimes foram arquivados. A morte de  Francisco Campos, assassinado após denúncia que afirmava que uma mulher de nome 'Lalá' tinha provas contra a polícia, e a morte dela  também de forma misteriosa posteriormente.

Se existe ou não conexão, cabe à polícia dizer, mas quando integrantes da polícia são os principais implicados  tudo se torna muito obscuro.

O Portal AZ, mantém espaço aberto para os citados darem suas versões dos fatos.

Fonte: Portal AZ

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