Polêmica do indulto de Bolsonaro

Polêmica do indulto de Bolsonaro

A classe jurídica nacional ainda não atinou para um detalhe importante sobre o indulto do presidente Bolsonaro ao deputado federal Daniel Silveira, condenado criminalmente pelo Supremo Tribunal Federal.
Antes, porém, não existe o instituto da graça. Aliás, juridicamente, graça e indulto são semelhantes. Para alguns juristas, termos jurídicos sinônimos. Na verdade, o que existem são o "indulto coletivo" e o "indulto individual", processualmente previstos e alinhados nos ditames constitucionais e da Lei de Execução Penal.

Ao detalhe, então: o indulto não extingue a condenação; extingue, sim, a pena, a punibilidade. Aqui reside a fundamental diferença. Em outras palavras, o(a) condenado(a) deixa de cumprir a pena, mas a condenação permanece, inclusive para os fins de antecedentes e de primariedade (deixa de ser réu primário).

O inciso II, do art. 107, do Código Penal, prevê as hipóteses de exclusão de punibilidade por anistia, graça ou indulto, que são manifestações de indulgência soberana. No caso da graça ou do indulto, de competência exclusiva e privativa do presidente da República.

O caso Daniel Silveira é de "indulto individual". E como tal deve ser tratado.

Salvo melhor juízo, duas situações militam em desfavor do presente indulto. Uma, de natureza constitucional, respeitante à oportunidade, conveniência, moralidade e impessoalidade. Outra, de natureza formal, quanto à infringência das regras processuais atinentes a espécie.

Ao tratar do indulto genericamente a vigente Carta Magna do país não personaliza a aplicação do instituto. Impõe que o benefício (seja por perdão da punição ou por comutação da pena) não tenha o caráter da pessoalidade. Em outras palavras, o indulto não poderá ser concedido a determinada pessoa de forma exclusiva, do convívio íntimo da autoridade, como foi o caso vertente.

Também, como óbice constitucional o indulto a Daniel Silveira ressente-se dos princípios constitucionais da oportunidade e da conveniência. De que o momento é inadequado, dado que o processo-crime não se ultimou, não fora ainda concluído pela Suprema Corte.

No aspecto formal, a Lei de Execução Penal exige critérios legais para a concessão do benefício. O primeiro, de que haja decisão (no caso, acórdão) transitada em julgado, que não dependa mais de nenhum recurso. O segundo, que o pedido seja formalizado no juízo da Execução Penal. Se ainda não existe condenação com trânsito em julgado, não existe também a figura do juízo da Execução Penal, que será aquele de competência do lugar onde esteja localizado o presídio ou do lugar do fato.

Observem a Lei de Execução Penal:

Art. 192. Concedido o indulto e anexada aos autos cópia do decreto, o Juiz declarará extinta a pena ou ajustará a execução aos termos do decreto, no caso de comutação.

Art. 193. Se o sentenciado for beneficiado por indulto coletivo, o Juiz, de ofício, a requerimento do interessado, do Ministério Público, ou por iniciativa do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa, providenciará de acordo com o disposto no artigo anterior.

Então, neste caso, Já cumprindo a pena o(a) sentenciado(a) enviará ao juiz da Execução Penal o decreto do presidente da República, cujo ato será anexado ao processo administrativo para que o indulto possa surtir efeitos legais no mundo jurídico.

Como a condenação não será extinta, mas apenas a penalidade privativa da liberdade, outro detalhe também muito importante deve ser observado: o de que o indulto não extingue os chamados efeitos secundários, acessórios da condenação, como, por exemplo, perda dos direitos políticos e o pagamento de multas.

É uma questão de hermenêutica jurídica. Se a condenação não se extingue, então seus atos secundários à pena serão, sim, mantidos.

O que diz, então, a Lei da Execução Penal sobre o indulto individual (que é o caso):

Art. 188. O indulto individual poderá ser provocado por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário, ou da autoridade administrativa.

Art. 189. A petição do indulto, acompanhada dos documentos que a instruírem, será entregue ao Conselho Penitenciário, para a elaboração de parecer e posterior encaminhamento ao Ministério da Justiça.

 Art. 190. O Conselho Penitenciário, à vista dos autos do processo e do prontuário, promoverá as diligências que entender necessárias e fará, em relatório, a narração do ilícito penal e dos fundamentos da sentença condenatória, a exposição dos antecedentes do condenado e do procedimento deste depois da prisão, emitindo seu parecer sobre o mérito do pedido e esclarecendo qualquer formalidade ou circunstâncias omitidas na petição.

Art. 191. Processada no Ministério da Justiça com documentos e o relatório do Conselho Penitenciário, a petição será submetida a despacho do Presidente da República, a quem serão presentes os autos do processo ou a certidão de qualquer de suas peças, se ele o determinar.

Observem, portanto, que em nenhum momento foi informado e/ou noticiado que o indulto a Daniel Silveira observou os regramentos e as formalidades legais. E o deputado não pode, evidentemente, ser tratado de forma diferente ou desigual dos demais condenados, que para o recebimento do perdão presidencial cumprem as regras estabelecidas pela lei infraconstitucional invocada.

Ademais, a Súmula 631 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) diz o seguinte:  “O indulto extingue os efeitos primários da condenação (pretensão executória), mas não atinge os efeitos secundários, penais ou extrapenais”.

“[o] indulto, ato político, está previsto no art. 84, XII, da CF, e é privativo do Presidente da República. Tem por escopo extinguir os efeitos primários da condenação, isto é, a pena, de forma plena ou parcial (HC 94.425/RS, 5.ª Turma, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe de 16/11/2009), persistindo os efeitos secundários, tais como reincidência, inclusão do nome do réu no rol dos culpados, obrigação de indenizar a vítima etc.” (HC 368.650/SP, j. 13/12/2016)

“1. Subsiste, para fins de reincidência, condenação anterior em que foi concedido o benefício do indulto, vez que esse perdão apaga apenas os efeitos executórios da condenação, mas não os secundários” (HC 186.375/MG, j. 21/06/2011)

“IV – O fato de haver sido agraciado com indulto não altera a situação do candidato, já que este benefício atinge somente a pena imposta criminalmente, só alcançando os efeitos principais da condenação, subsistindo todos os demais efeitos secundários penais e os extrapenais” (RMS 17.459/RS, j. 04/11/2004).

O deputado federal Daniel Silveira poderá, sim, ser beneficiado, mais cedo ou mais tarde, dada a prerrogativa constitucional do presidente da República. Porém, ficará inelegível. Salvo se outra for interpretação futura com mudança ou abrandamento do precedente.

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