A prisão e a soltura de Arimatéia

A prisão e a soltura de Arimatéia

O advogado Miguel Dias Pinheiro destaca hoje (14) em seu artigo, o que considera “repudiável coação” a manutenção da prisão do jornalista Arimateia Azevedo. O jornalista e colunista do Portal AZ encontra-se em prisão domiciliar há 33 dias.

Advogado Miguel Dias Pinheiro (Foto: reprodução/Facebook)

Leia o artigo na íntegra:

Poupo nosso leitor de analisar o mérito do processo-crime que ensejou a prisão do jornalista piauiense Arimatéia Azevedo, proprietário do Portal AZ. Devo me reportar sobre a parte técnico-processual da prisão. Mais precisamente sobre seu relaxamento ou revogação tanto pelo magistrado como por um colegiado, respectivamente.

Verificado qualquer crime, o “jus puniendi” emerge como direito-dever do Estado para impor determinada sanção a alguém que violou a norma jurídica protetora de algum bem indispensável ao convívio social.

Ainda que diante de suposta infração, ainda apurável, a prisão processual de alguém estará sempre sujeita ao princípio da proporcionalidade, marcada, portanto, pela provisoriedade e regida pela cláusula da imprevisão, da ‘rebus sic stantibus’, levando-se em consideração uma situação fática existente no momento do evento. Prisão que, em casos concretos como tais, deverá ser revista pelo juiz ou pelo tribunal por ausência ou não de motivos para atender, no mínimo, ao princípio da proporcionalidade.

Importante deixar bem claro que não se pode confundir “direito de punir” (condenação) com “direito ao devido processo legal” (prisão), quando nesta última hipótese se observam os direitos e as garantias fundamentais do investigado e, “a posteriori”, do denunciado.

Convenço-me da tese de ser inconcebível admitir-se que qualquer processo-crime possa ser visto como instrumento a serviço do “poder de punir”. Porque o respeito às garantias fundamentais não pode ser confundido com direito à impunidade. Não é pela prisão em si, mas pela condenação que exprime o legítimo “jus puniendi”.

O devido processo-penal-constitucional busca, acima de tudo, realizar a “justiça penal” e não a “vingança criminal”. Todo procedimento penal justo deve atentar, sempre, para a paridade de armas, para que qualquer “prisão processual cautelar” não se eternize no tempo e no espaço com feição antecipada de condenação.

O momento é oportuno para as seguintes indagações: “A liberdade do jornalista representa risco para o processo e para a sociedade?”; “Arimatéia em liberdade poderá empreender fuga para safar-se da aplicação da lei penal?”; “Solto haveria prejuízo para o processo e para a sociedade?”; “A liberdade de Arimatéia Azevedo impossibilitaria provável condenação alicerçada em provas?” Claro que não!

Sabem os doutos que qualquer medida cautelar penal pressupõe, antes de tudo, existência do ‘periculum libertatis’ e do ‘fumus comissi delicti’, princípios jurídicos que estabelecem o dever de promover os fins e não os meios do processo-crime, em atenção ao postulado da proporcionalidade indispensável para manter alguém ainda que preso em domicílio.

Frise-se, a prisão do jornalista, seja domiciliar ou não, por certo já atingiu sua finalidade. Justamente quando ocorreu a conclusão da fase investigatória, instrumento pré-instrução para atingir a finalidade de assegurar a utilidade e a eficácia da investigação e propiciar a denúncia, inclusive já ofertada.

Convém lembrar que a vantagem produzida pela prisão cautelar com o oferecimento da denúncia não supera em hipótese alguma as desvantagens advindas da sua utilização para manter o denunciado preso ‘ad eternum’ como ‘punição de condenação’, constrangimento repudiável pelo bom senso jurídico e jurisdicional.

A respeito, o jurista Norberto Avena ensina que “o atributo da excepcionalidade deve ser visto sob dois ângulos: excepcionalidade geral, significando que, assim como as demais cautelares, deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação; e, ainda, excepcionalidade restrita, isto é, aquela relacionada à sua supletividade diante das demais providências cautelares diversas da prisão”.

Observe a advertência do jurista: “...supletividade diante das demais providências cautelares diversas da prisão”. Para o bom entendedor jurídico, meia palavra basta!

Ora, qualquer operador do Direito minimamente qualificado e consciente sabe que a manutenção de uma prisão (quaisquer das modalidades) dependerá da persistência dos motivos que ensejaram a urgência como necessária à tutela do processo-crime especificamente em cada caso concreto. Portanto, quaisquer das custódias cautelares penais são “situacionais”, ou seja, tutelam determinada “situação fática de perigo”. De perigo, repita-se! Passado este não mais se justifica a prisão.

Para argumentar, qualquer prisão deve sujeitar-se à cláusula da imprevisão. E que deverá ser revogada quando não mais presentes os motivos que a ensejaram; ou renovada se acaso sobrevier razões que a justifiquem.

“Data máxima vênia”, no caso Arimatéia estão invertendo as posições quanto à análise e efetividade concreta da “cláusula da imprevisão da prisão”. A Constituição Federal estabelece a liberdade como regra e a prisão como exceção. Sendo, pois, a liberdade a regra, esta, sim, estará sujeita à cláusula da imprevisão (rebus sic stantibus) e não o contrário. É esta cláusula que possibilita ao juiz ou ao tribunal, diante da alteração dos motivos ensejadores da custódia, revogar prisão processual, seja ela qual for.

Como bem avalia Gustavo Henrique Badaró, em seu compêndio “Processo Penal”, 3ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 993, se a proporcionalidade é requisito implícito para a decretação da prisão, a desproporcionalidade autoriza a sua revogação.

No caso específico de Arimatéia Azevedo, induvidosamente desapareceram os motivos justificáveis e aceitáveis para a manutenção de sua prisão. Por quê? Porque ocorreu o que chamamos no Direito Penal de “superveniência da ausência da necessidade” e “da adequação” ‘stricto sensu’ na segregação e/ou limitação pessoal do direito de ir e vir para prevenir e assegurar a investigação já concluída. Não há, pois, absolutamente nada a investigar pela acusação. A não ser incidentalmente pós-denúncia, se assim postular o agora denunciado no pleno exercício do direito ao contraditório, ao devido processo legal e à ampla defesa.

Dir-se-á que em se tratando de providência judicial de natureza cautelar marcada pelo crivo da provisoriedade e fincada na cláusula constitucional da imprevisão, é possível, sim, doutor, que no curso da persecução penal qualquer prisão deixe de ser necessária, adequada e proporcional quando o custodiado não possa mais representar perigo algum para a investigação, para a sociedade, para a vítima e nem tampouco para a instrução criminal. Assim, sob o prisma enfocado, manter qualquer prisão pode-se incorrer em inaceitável coação e em nefasto e repudiável constrangimento ilegal.

Finalmente, no caso Arimatéia não se cogita mais da pertinência da contemporaneidade dos fatos descritos no decreto de prisão relacionados com a delimitação do ‘periculum in libertatis’ no tempo e no espaço. Não! A ausência de contemporaneidade - ainda que timidamente - vem sendo rechaçada pelo Superior Tribunal de Justiça, entendendo aquela Corte Superior que “a urgência intrínseca às cautelares exige contemporaneidade dos fatos justificadores dos riscos que se pretende evitar com qualquer espécie de prisão processual”.

Portanto, no caso concreto, não há mais espaço para disfarces. Não se trata mais de abstração, mas de concretude. O poder excepcional da cautelar penal aplicada deu-se em um espaço temporal estrito, restrito e supostamente necessário, seja para garantir a aplicação da lei penal, seja para possibilitar a investigação ou para acautelar a instrução. Tudo isso passou, evaporou-se! E que não se perca de vista também que o poder de cautelaridade penal no caso em análise dever-se-á sempre vincular-se a uma especificidade concreta e não a uma convicção abstrata, como vislumbrado na investigação e na acusação.

Entenda o caso

Arimatéia Azevedo foi preso no último dia 12 de junho pela Polícia Civil depois de denunciar um profissional liberal de Teresina acusado de colocar em risco a vida de uma cliente. Por decisão da justiça, o Portal AZ está impedido de explicar aos leitores o que gerou a prisão. Inclusive, todos os computadores do portal foram apreendidos pela polícia. Em respeito à decisão da justiça, não serão citados nomes.

Jornalista Arimatéia Azevedo (Foto: Wilson Nanaia/Portal AZ)

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