Garrafa, meia garrafa, litro e alumínio velho: a gente era sustentável

Brincava-se com boizinhos feitos de bucha ou se faziam guerras com frutos de mamona

Em minha primeira infância, vivia entre minha cidade natal, Dom Pedro (MA) e Teresina (PI), que me adotou, havia algumas recorrências que, agora, já quase idoso, descubro, eram ações que hoje podem ser descritas como sustentáveis. Mas eram ações rotineiras, muitas vezes decorrentes menos de uma inexistente consciência ambiental e mais de hipossuficiência econômico-financeira e de ausências de demandas que depois o capitalismo inventou.

São inúmeras as pessoas com 50 anos ou mais que juntaram recipientes de vidro e utensílios domésticos imprestáveis feitos de alumínio para os garrafeiros que percorriam Teresina gritando: “Garrafa, meia garrafa, litro e alumínio velho”, para que meninas e meninos a eles ocorressem vendendo essas coisas.

Eram os anos 1970, quando um bebê usava fraldas de algodão e cueiros, lavados à exaustão, posto que não havia as fraldas descartáveis, que são práticas, mas levam centenas de anos para serem degradadas na natureza.
Crianças nascidas nos anos 1960 e 1970 brincavam nas ruas de Teresina – de triângulo, de peteca (bola de gude), alguns sendo considerados “guábis”, ou sejam absolutamente eficientes nestes jogos infantis. Bolas de gude (petecas, ou bilas) e triângulo hoje seriam considerados brinquedos biodegradáveis.

Brincava-se com boizinhos feitos de bucha ou se faziam guerras com frutos de mamona. Esconde-esconde e cancão (amarelinha em outras partes do Brasil) eram outras brincadeiras. Tudo com um enorme gasto de energia, o que deixava meninas e meninos sempre magros. Crianças mais gordinhas nos anos 1970 e 1980 eram uma exceção. Refrigerante, também.

Comer era ato que se fazia mais em casa que na rua e as mães, seja por necessidade seja para que a criança comesse o que lhe fosse dado, comesse as quantidades necessárias. “Mamãe, bote o meu!” é uma frase que aponta para ato de sustentabilidade, posto que isso representava consumir-se exatamente as porções certas de alimento pelo zelo materno em garantir que se comesse dentro dos limites e das necessidades.

Eu fico me lembrando desses tempos em que mães (ou tias ou avós, em alguns casos) faziam nossos pratos em uma cidade em que ainda se podia tomar banho e pescar nos rios; em que se as demandas por alimentos eram supridas a partir de produtores mais próximos de nós, sem tantas ofertas de alimentos exóticos (vindos de fora). 

Percebo o quanto havia, em nossas rotinas, uma prática sustentável. No caso dos alimentos, quanto menos consumimos de grandes distâncias, menos a comida precisa ser transportada com o uso de combustível fóssil. Vale essa visão para outras demandas decorrentes de produtos semielaborados.

Poderemos voltar a esse passado em que nosso consumo era sustentável e a gente nem sabia disso? Espero que sim, porque pode certamente ser uma forma de, a partir de nossa aldeia, salvar o mundo.

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