A divisão do Brasil que anima o Dr. Zema foi criada na ditadura
Voltemos nossos olhos para a eleição de 1974
O governador de Minas Gerais terá de fato sido separatista quando propugnou maior força política do Norte e Nordeste em relação ao Sul e Sudeste do país? Bom, como ele – e boa parte dos políticos brasileiros – tem memória curta (ou seletiva) e não olha para a História, se não para citações de textos que eles não leram, convém lembrar que o desequilíbrio de representação que pode estar causando esse ruído todo é uma invenção da ditadura militar tão celebrada por gente que aplaude Zema, Tarcísio e Bolsonaro.
O Nordeste e o Norte, que agora votam em peso em políticos de esquerda, que fidelizam o eleitor por meio de políticas ditas compensatórias, já foram o celeiro de votos para sustentar o poder civil durante a ditadura militar.
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Voltemos nossos olhos para a eleição de 1974. Naquele ano, os representantes civis da ditadura que disputaram a Câmara e, sobretudo, o Senado comeram poeira da oposição sob o manto do MDB. Os aliados da ditadura todos sob o guarda-chuva da Arena (Aliança Renovadora Nacional) tomaram uma sova.
O MDB (Movimento Democrático Brasileiro), partido da “oposição consentida”, que dispunha de apenas sete das 66 cadeiras no Senado, elegeu 16 senadores – de um total de 22 vagas em disputa no ano de 1974. Na Câmara, elegeu 161 das 364 cadeiras – 44% dos assentos.
A vitória do MDB em 1974 somente não foi maior porque Norte e Nordeste garantiram a maioria para a face política e civil da ditadura militar instalada dez anos antes.
O que fez o regime derrotado nas urnas dez anos após tomar o poder à força? Baixou o “Pacote de Abril”, em 1977, para assegurar que a oposição não fizesse a maioria no Congresso em 1978.
O pacote sob o governo do general Geisel foi feito com um Congresso Nacional fechado pelo AI-5, empurrou-se goela abaixo do país uma emenda à Constituição autoritária de 1969, que aumentava as bancadas do Norte e do Nordeste na
Câmara dos Deputados e estabelecida a eleição dos “senadores biônicos”: das 44 vagas no Senado em disputa, metade seria escolhida de modo indireto por um colégio eleitoral constituído por deputados das assembleias legislativas e por delegados das câmaras municipais.
Com a retomada do Estado de direito no país, senadores biônicos foram atirados na lata de lixo da história, mas não se adotou a mesma providência com relação à representação na Câmara dos Deputados: foi mantido o sistema em que
Estados mais populosos têm menos deputados do que deveriam pelo peso da representatividade demográfica.
A Constituição de 1988, que poderia ter evitado a sub-representatividade dos Estados mais populosos, corrigindo a distorção do Pacote de Abril, manteve Estados menos populosos com mais deputados, estabelecendo um limite de 8 e um teto de 70 deputados federais por unidade da Federação.
Esse critério pode até parecer justo, mas não é. Deveria ter havido um corte na quantidade de cadeiras na Câmara e não sua manutenção, face a existência de números mínimo e máximo de representantes populares na Câmara.
O critério de número mínimo sem considerar a representatividade fez criar uma distorção, em que há Estados com uma super representatividade e outros com menor representatividade.
Um exemplo disso: os Estados do Acre, Roraima, Amapá e Tocantins somam uma população de 3.711.296 pessoas. O Amazonas sozinho tem 3.941.175 moradores – mas o maior estado brasileiro em área territorial tem uma bancada de oito deputados estaduais, enquanto Acre, Roraima, Amapá e Tocantins somam 32 deputados federais.
O Amazonas, assim como outros Estados, padece de uma sub-representação na Câmara dos Deputados graças ao Pacote de Abril, feito pela ditadura nos tempos em que o Nordeste votava nos políticos que apoiavam aquele regime autoritário, que alterou a Constituição para ganhar sobrevida e isso criou uma distorção que agora divide o país.