Merlong Solano e o labirinto das emendas sem destino

Para onde foram parar os milhões enviados ao Piauí?

Por José Ribas Neto,

Faltam respostas. Sobram cifras. A análise de três emendas do deputado federal Merlong Solano (PT-PI) revela um padrão preocupante de falta de transparência e planejamento, uma trilha silenciosa que o dinheiro público percorre sem que se saiba exatamente para onde vai, por que vai e quem se beneficia de fato.

Foto: ReproduçãoDeputado Merlong Solano (PT)
Deputado Merlong Solano (PT)

As emendas

No papel, as emendas parlamentares são instrumentos legítimos de descentralização orçamentária. Permitem que deputados e senadores direcionem recursos do Orçamento da União a regiões que representam, especialmente aquelas esquecidas pelos grandes projetos da máquina federal. Mas, como toda ferramenta, podem ser usadas de forma estratégica ou oportunista. Técnica ou política. Republicana ou clientelista.

No caso do deputado Merlong Solano, o que salta aos olhos não é apenas o montante considerável de recursos federais direcionados ao Piauí. É a opacidade com que esses valores foram apresentados, documentados e classificados no sistema Transferegov, plataforma oficial do governo federal que acompanha a execução dessas transferências especiais. A leitura atenta dos documentos evidencia o uso recorrente de rubricas genéricas, ausência de objeto definido, e repasses sem explicitação mínima de metas, cronogramas ou resultados esperados.

A quadra de areia com um “extra” de dois milhões

A emenda de número 202338220002, assinada por Merlong Solano, destina recursos para a construção de uma quadra de areia no município de Jatobá do Piauí. Até aí, tudo certo. O plano de ação prevê R$ 100 mil para a obra, valor salgado, mas até que compatível com a estrutura simples que se imagina para uma quadra desse tipo.

Mas logo abaixo dessa linha aparece algo inquietante: R$ 2.000.000,00 carimbados como “OBJETO NÃO DEFINIDO”.

Não há descrição da finalidade, nem da destinação específica, tampouco qualquer indício de que o valor esteja vinculado a uma obra, aquisição ou política pública concreta. O sistema registra apenas que o valor será executado ao longo de 60 meses. Um cheque milionário, aprovado, sem plano de uso. É o tipo de lacuna que pode abrir margem para o uso arbitrário dos recursos ou, pior, para a criação de contratos sob demanda, moldados conforme interesses locais e sem qualquer transparência prévia.

Cultura no escuro

Em outra emenda (nº 202438220002), mais um exemplo de como a imprecisão parece ser regra e não exceção. Trata-se de um repasse de R$ 255.980,00 à Secretaria de Cultura do Estado do Piauí, classificado apenas como “INVESTIMENTO – SECULT”.

Que investimento é esse? Em que área da cultura será aplicado? Há evento, estrutura, projeto, cronograma, editais? Não há informação disponível no plano de ação. Nenhum detalhamento foi anexado ao processo. Nada.

É irônico que o recurso tenha sido registrado na categoria “investimento”, quando o próprio sistema Transferegov informa que não há metas mensuráveis, nem ações associadas à execução orçamentária. Um “investimento” em quê, exatamente? A pergunta permanece sem resposta.

Publicidade institucional sem publicidade da publicidade

Na emenda nº 202238220001, a situação se repete. Foram R$ 200.000,00 repassados à Coordenadoria de Comunicação Social do Governo do Piauí, sob a rubrica de “PROPAGANDA/PUBLICIDADE”. Aqui o problema é ainda mais evidente: publicidade, por definição, é algo que se torna público. Mas essa, curiosamente, passou longe da visibilidade.

Qual foi a peça publicitária? Em que canal foi veiculada? Foi uma campanha de utilidade pública? Um spot institucional? Um patrocínio cultural disfarçado? Não há informações. Nem no plano de ação, nem na plataforma oficial, nem nos anexos, estes que, aliás, sequer foram carregados no sistema. O valor foi liberado, mas o conteúdo da propaganda permanece desconhecido até mesmo para o cidadão que a financiou.

O direito de se explicar e o dever de fiscalizar

O deputado Merlong Solano tem todo o direito de apresentar sua versão dos fatos. E é fundamental que o faça. Que explique onde estão os projetos, os cronogramas, os editais, os contratos e os resultados concretos dessas emendas. Que detalhe a razão da falta de objeto em valores tão expressivos. O espaço está aberto.

Fonte: Portal AZ

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