É preciso tornar desimportante o papel dos cônjuges dos governantes
O brigadeiro Eduardo Gomes, em sua campanha à presidente em 1950, contra Getúlio Vargas, pedia votos dizendo que era bonito e solteiro
Uma vez perguntaram ao Ciro Gomes qual seria o papel da esposa dele na época, Patrícia Pillar, na eleição presidencial (2002). Com sua habitual capacidade de tropeçar em suas próprias palavras, o ex-ministro disse o seguinte:
“A minha companheira tem um dos papéis mais importantes, que é dormir comigo. Dormir comigo é um papel fundamental”.
É evidente que o machismo expresso na frase foi o bastante para que Ciro pagasse um alto preço pela fala enviesada, mas é preciso convir que em essência a frase dele traz uma mensagem diferente.
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E qual seria a mensagem? A de que não existe qualquer importância objetiva do cônjuge em uma escolha eleitoral para o comando de um país.
Nas democracias representativas não se tem notícia da existência de um casal em uma eleição. Ou se se candidatam estão em chapas diferentes ou disputando cargos diferentes. Não se elege um casal presidencial ou governamental.
Nesse contexto, é preciso que cada vez mais se torne desimportante não somente o estado civil dos candidatos, como também o eventual papel de seus cônjuges no governo.
Primeira-dama ou primeiro-cavalheiro, dependendo do estado civil e do gênero da pessoa eleita, precisa ser algo desimportante o bastante até para que se tenha esse tipo de “cargo simbólico” em uma estrutura administrativa.
Em diversas épocas e em diferentes países cônjuges sem cargos formais no governo ou fizeram muito bem ou muito mal aos mandatários de plantão. Outros escolheram a discrição total e absoluta – o que parece ser a postura mais sábia, aquela que às vezes consiste em ter poder sem que ninguém saiba disso.
Só para ilustração do que se diz aqui como exemplos de cônjuges influentes que pioraram a vida de seus parceiros poderosos, as que atuaram com um pouco mais de discrição e que simplesmente nem eram notados:
Imelda Marcos, a primeira-dama do ditador filipino Ferdinand Marcos, que tinha tanto poder quanto avidez por sapatos. Quando o marido foi derrubado descobriu-se que ela tinha 8 mil pares de sapatos.
Yolanda Costa e Silva, esposa do ditador Costa e Silva (1967-1969) era conhecida por mandar no marido, influenciando até na escolha de dirigentes de empresas estatais.
Evita Peron, a toda poderosa esposa de Juan Domingo Perón, que exerceu o poder a ponto de “exilar” uma desafeta, Libertad Lamarque, que, como ela, era atriz.
Ruth Cardoso, esposa de Fernando Henrique Cardoso, nunca exerceu “o cargo”, mas com discrição influenciou em políticas públicas como a economia solidária, que segue até hoje sendo levada a efeito.
Denis Thatcher, o marido de Margareth Thatcher, primeira-ministra da Grã-Bretanha, a dama-de ferro. O senhor Thatcher nunca foi percebido nos 11 anos em que a esposa foi a chefe de governo, entre 1979 e 1990.
Convém que se escolha um candidato pela sua competência, mas nestes tempos em que o ou a cônjuge, mesmo não eleito, acumula poderes extraordinários e incompreensíveis num regime político democrático, pode-se olhar com mais simpatia para os solteiros, separados, divorciados.
Num país em que cônjuge de dirigente é poderoso, lembremos do brigadeiro Eduardo Gomes, que em sua campanha presidente em 1950, contra Getúlio Vargas, casado com a discreta, mas poderosa dona Darcy Vargas, pedia votos dizendo que era bonito e solteiro.