Inovação: projeto tecnológico idealizado por empresário pretende modernizar a coleta de lixo

O caminhão inteligente será capaz de recolher até 900 quilos por sessão

Por Wanderson Camêlo e Fernanda Gil Lustosa,

Todo ano, no mês de junho, entre os dias 03 e 07,  comemora-se a Semana Mundial do Meio Ambiente e acontecem de forma intensa no Brasil as campanhas de conscientização voltadas ao maior cuidado com o meio ambiente e à promoção de políticas afirmativas de saneamento básico. Mas o que chama a atenção é que não há muitos motivos para celebrar.

Isso porque não há saneamento básico para todos; os resíduos sólidos produzidos são direcionados para lixões (sem nenhum tratamento seletivo para diminuir o impacto sobre o meio ambiente) e a energia produzida, em âmbito nacional, advém de fontes não renováveis. E o pior, o Plano Nacional de Saneamento Básico (criado em 2007, através da Lei nº 11.445), com metas e investimentos previstos para os próximos 20 anos, ainda nem sequer saiu do papel. 

Terreno, localizado no bairro Planalto Uruguai, zona Leste de Teresina, usado para o descarte irregular de lixo (Foto: Wanderson Camêlo/Portal AZ)

O cenário continua desalentador, como mostra a mais recente pesquisa, divulgada em 2019, feita pelo Instituto Trata Brasil – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), os dados apontam que entre as 100 maiores cidades do Brasil apenas 46% dos esgotos gerados são tratados e que o país ainda conta com quase 35 milhões de pessoas sem acesso a água tratada. Quase 100 milhões não possuem coleta de esgoto (47,6% da população). “Isso significa poluição e doenças ininterruptas em todo o país”, alertou o Trata Brasil.

Situação local

Em termos de Nordeste, o Piauí está mal colocado: tem a menor cobertura de saneamento básico na região. Apenas 11,6% da população do estado são atendidos por redes de coleta de esgoto. O número é bem abaixo da média nacional – pouco mais de 50%, segundo a pesquisa.

No entanto, Teresina subiu de 19% para 31% em termos de coleta de esgoto, segundo a empresa Águas de Teresina (que cuida do abastecimento de água e tratamento de esgoto da capital), mesmo assim ainda figura no ranking dos 10 municípios com mais deficiência em coleta de esgoto no Brasil, conforme divulgou em 2018 o Trata Brasil.

Mas segundo o diretor executivo da Águas de Teresina, Diego Dal Magro, o panorama poderá consideravelmente em até 16 anos. A promessa é até esse prazo fornecer cobertura de esgoto a 90% da população local.

Bueiro situado em parte do conjunto Parque Rodoviário, zona Sul de Teresina (Foto: Wanderson Camêlo/Portal AZ)

“Nós aplicamos um modelo único de gestão e tecnologia em todas as nossas concessões em qualquer lugar do Brasil. O Piauí não está nada atrás quando você fala em água e esgoto. Nossa meta é chegar, em 16 anos de operação, a 90 % de cobertura, ou seja, com certeza, Teresina vai ser uma das capitais com os melhores índices de indicadores e de saneamento para água e esgoto”, explica.

Diego Dal Magro em entrevista ao Portal AZ (Foto: Wanderson Camêlo/Portal AZ)

Ele também afirma que Teresina, antes do novo sistema de água e esgoto, chegou a ser a última do Nordeste em disponibilidade de rede de esgoto, mas que a concessionária já deu passos importantes para o progresso do sistema. “Quando a gente fala de esgoto, em um ano tivemos um salto de 19% para 33% de cobertura de esgoto. Lembrando que 100% do que é coletado dentro da rede pública, dentro desse percentual é tratado”, diz Diego.

Inovação 

O empresário gaúcho Glauber Santos, que há cinco anos mora no Piauí, também se propõe a melhorar o sistema. A ideia é preservar o meio ambiente (consequentemente lucrar financeiramente) otimizando o sistema de coleta de lixo e, de tabela, promover o “desafogamento” das redes de esgoto. Ele aposta em uma startup.

 Glauber (ao centro) e membros da equipem que desenvolve o projeto: Ícaro Pablo (à esquerda) e Hernandes Erick (Foto: reprodução/arquivo pessoal)

Trata-se basicamente de um carro autônomo, controlado por sistemas de inteligência artificial, voltado à coleta de resíduos sólidos, como plástico, papel, vidro e até mesmo restos de alimentos. A proposta surgiu ainda em setembro de 2018 e passou a se tornar realidade um mês depois.

O veículo, ainda em fase de produção, será guiado por câmeras e sensores. Dois programadores se debruçam na otimização do sistema da máquina.

Protótipo desenvolvido pela equipe coordenada pelo empresário Glauber Santos (Foto: reprodução/arquivo pessoal)

“Quando tive a ideia, logo montei o escritório e a equipe, estamos trabalhando nisso desde a última semana de dezembro de 2018. Eu percebi que esse era um pacote de serviço que não tinha passado por uma atualização de acordo com o século XXI. Autônomo, elétrico: é uma coisa que os carros vão ser daqui a pouco. O startup será controlando por câmeras e terá um sistema de inteligência artificial para reconhecer todo tipo de lixo na rua. Hoje a gente está treinando um protótipo em miniatura, mas o produto final deve ser do tamanho de um carro normal”, explicou o dono da ideia.

Considera-se startup uma empresa (não somente aplicada ao mundo digital) jovem, com um modelo de negócios repetível, em um cenário de incertezas

O caminhão inteligente será capaz de recolher até 900 quilos por sessão de varrimento. O volume de material recolhido, portanto, ao final do mês, seria maior do que o registrado pela prefeitura de Teresina, por exemplo, que segundo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Semduh), é de 16.102,54 toneladas, em média.

“Teremos o sistema de checkpoint. Como seria isso? Você vai ter caçambas em lugares estratégicos da cidade e elas vão ser marcadas como checkpoint; então o robô, a partir do momento que ele tem um sensor para identificar que ficou lotado, ele vai até o checkpoint mais próximo para despejar o material”, acrescentou o idealizador do protótipo.

Proposta parecida

Em Teresina, o projeto parecido com o do empresário gaúcho foi colocado em prática em 2016, quando a prefeitura de Teresina usou um caminhão moderno, com “vassouras” (e uma espécie de aspirador) adaptadas para o recolhimento mais rápido da sujeira. O veículo foi usado por pouco mais de um ano e exclusivamente em ruas do Centro da capital.

De acordo com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Habitação, a proposta não seguiu à diante devido ao alto custo da tecnologia.

“Como ainda temos problemas com relação ao saneamento, essa técnica só poderia ser aplicada em avenidas, por conta das sarjetas. Esse tipo de [também] trabalho é muito caro, infelizmente hoje, a gente não tem como investir nesse tipo de tecnologia, até porque o nosso sistema de coleta é autossustentável. A gente não tem nenhum outro meio de financiamento federal que pague pelo nosso serviço.”, ressalta Michele Noleto, coordenadora de limpeza da pasta.

Michele Noleto, coordenadora de limpeza da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Habitação de Teresina (Foto: Wanderson Camêlo/Portal AZ)

Em alguns países da Europa, a exemplo da Espanha, a coleta automática já é realidade. Além de sistema de varrição moderno, cidades como Barcelona já contam com sistema de sucção subterrâneo para o descarte de lixo. Na cidade espanhola a invenção foi inaugurada ainda em 1992.

Assista ao vídeo abaixo:

As bocas de lixo da cidade são interligadas via um sistema, formado por tubulações. Os resíduos despejados são aspirados por um gigantesco sugador de hora em hora.

O desafio da coleta manual

Servidor de empresa que presta serviço à prefeitura de Teresina realizando a coleta de lixo em praça na zona Leste da capital (Foto: Wanderson Camêlo/Portal AZ)

A missão da coleta manual não é nada fácil, não só por conta da enorme quantidade de lixo produzida, como também pelo processo utilizado. Para se ter uma ideia, o serviço de recolhimento de lixo em várias cidades nordestinas é realizada ainda por carroças de tração animal, como consta no último Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos (do Ministério do Desenvolvimento Regional), referente ao ano de 2017, divulgado em maio deste ano.

Segundo o levantamento, a região Nordeste absorve 291 carroças, correspondendo a 62,7% do total desse tipo de veículo empregados para a coleta de resíduos no país, mais ainda do que os 55,7% apurados no diagnóstico do ano anterior.

“Desses números, relevante dizer ainda que no Nordeste o uso de carroças é mais distribuído, destaca-se que os municípios de Vitória da Conquista/BA (com 56 carroças), Alagoinhas/BA (com 50) e Teresina/PI (com 30) absorvem, juntos, 46,7% do total da região”, diz a pesquisa.

Já em se tratando de quantidade de lixo, o registro é de 11.355.220 toneladas produzidas anualmente no Brasil. O número foi divulgado no estudo “Solucionar a Poluição Plástica: Transparência e Responsabilização”, feito pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF).

Dessa enorme quantidade de resíduos sólidos gerados, apenas 1,28% passa por reciclagem – ainda segundo a pesquisa, fato que acaba acarretando prejuízos ambientais, sem falar nos econômicos.

Em termos de coleta, são geradas 60,6 milhões de toneladas por ano (ou 166 mil toneladas por dia) de resíduos domiciliares nos municípios brasileiros – o que equivale a 347 kg/hab./ano desses resíduos, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Regional.

São geradas 60,6 milhões de toneladas por ano de resíduos domiciliares nos municípios brasileiros (Foto: Wanderson Camêlo/Portal AZ)

Segundo o MDR, a despesa total das prefeituras com o manejo dos resíduos sólidos no ano 2017, quando rateada pela população urbana, resultou no valor de R$ 121,62 por habitante, ou seja, um gasto aproximado de R$ 21 bilhões para o manejo de resíduos sólidos urbanos em todo o país.

Consequências sociais

O acúmulo de resíduos, devido à impossibilidade de realizar o serviço de coleta manualmente em todos os cantos da cidade em tempo hábil, é um dos problemas que a tecnologia pensada por Glauber Santos também pretende sanar.

A lógica do empresário é a seguinte: quanto mais tempo os resíduos ficam despejados nas vias públicas, maior a probabilidade de gerar impactos negativos como, por exemplo, o entupimento do sistema de esgotamento e, consequentemente, a potencialização de enxurradas. Possibilidade, aliás, que atormenta moradores do bairro Parque Rodoviário, zona Sul de Teresina.

Lixo obstruindo bueiro localizado em meio a residências no Parque Rodoviário, zona Sul de Teresina (Foto: Wanderson Camêlo/Portal AZ)

O medo das pessoas que residem na região é que aconteça outra tragédia parecida com a provocada pelo transbordamento de uma lagoa, no dia 04 de abril deste ano. Uma mulher e uma criança morreram e várias casas foram totalmente destruídas em decorrência do fato.

“Na última enchente que teve ficou tudo entupido de entulho, as galerias, as ‘bocas’ de esgoto. Se não fizerem nada, na próxima enchente vai alagar tudo e vai acontecer outra tragédia. O caminhão passa, mas não resolve; limpam, mas sempre sobra alguma coisa, não conseguem conta do serviço”, relatou a senhora Almerina dos Santos, 56 anos, moradora do Parque Rodoviário.

Dona Almerina Santos, moradora do Parque Rodoviário (Foto: Wanderson Camêlo/Portal AZ)

Edmilson Pereira da Silva (de 60 anos de idade), também morador do bairro Parque Rodoviário, é outro que teme pelo pior. Ele também citou a questão do acometimento de doenças devido ao acúmulo de sujeira no local.  “O carro passa três vezes, mas não dá conta. Outra coisa é que ele não entra em todas as ruas. Acumula lixo, sujeito e traz problema de doença: diarreia, coceira no corpo. Fora o problema do entupimento dos bueiros [causado pelo acúmulo e resíduos], que poderá gerar uma tragédia”, citou ele.

Edmilson Pereira afirma que já foi acometido por doença causado pelo acúmulo de lixo na região onde reside (Foto: Wanderson Camêlo/Portal AZ)

“No caso do Parque Rodoviário a coleta é feita dentro do nosso circuito. Normalmente três vezes na semana, em um certo período do dia. A questão de entupimento de bueiro não é nem do lixo domiciliar. E realmente lá tem uma passagem de água e ocorre muito dela ser obstruída, mas às vezes ocorre da gente tirar material dos bueiros para água fluir melhor”, explicou Michele, da Semduh.

Problemas para o sistema de esgotamento

O acúmulo de lixo acaba incidindo até mesmo nos serviços de coleta de esgoto. Segundo Guilherme Medina, coordenador de Tratamento de Esgoto da Águas de Teresina, o lixo no esgoto começa a gerar problemas a partir do momento que tem descarte errado.

“A rede é feita para esgoto, então, a priori nenhum resíduo, apesar de termos os biodegradáveis, pode ser jogado na rede. Resíduo sólido é lixo e efluente liquido vai para a rede de esgoto. Os problemas começam pelo descarte errado; primeiro, ele passa pelas tubulações, nesse momento ele vai se acumulando, lembrando que a tubulação de esgoto é feita para conduzir esgoto e ele tem menos de 1% de sólido. Quando obstrui o esgoto não encontro outro caminho que não seja extravasar nas vias; então o extravasamento nada mais do que é a interrupção do fluxo”, explica.

Guilherme Medina em visita a estação de tratamento da  Águas de Teresina (Foto: divulgação)

Outro problema apontando por Medina é o lixo entrar em contato com os equipamentos, causando um prejuízo de operação, de material e econômico.

“Se a gente tiver também um material mais rígido, um pedaço de plástico, algum pedaço de metal que entra em contato com a bomba e quebra o motor, a gente também tem prejuízo de material e operacional. Se chega a etapa de tratamento, aí a gente tem um prejuízo por conta das bactérias, porque elas não têm o poder de degradar certos materiais. Então, quando esses materiais chegam a estação eles promovem uma contaminação do ambiente onde as bactérias trabalham, isso reduz a eficiência, pode ocasionar a morte daquele meio”, explica.

Ainda de acordo com dados da empresa, cerca de 20 toneladas de lixo são retiradas das estações tratamento. Esse material é levado para o aterro sanitário para poder dar a destinação correta.

Estação de tratamento da  Águas de Teresina (Foto: divulgação)

Outros benefícios do projeto

O produto pensado pelo gaúcho será movido à energia elétrica, portanto, não fará a emissão de gases poluentes. O motor será programado para produzir baixo ruído.

“Iriamos diminuir o gasto com mão de obra e o serviço poderia ser feito a qualquer momento, 24 horas por dia. O operador também não precisará estar acordado enquanto ele [o robô] estiver funcionando. Sem falar que é benéfico em termos ambientais, já que não emite gases poluentes. Outro detalhe interessante é que eles serão pré-programados para se comunicarem, se você tiver, por exemplo, três robores realizando serviço no Centro de Teresina eles irão se comunicar entre si para colaborarem juntos na realização serviço”, completou o empresário gaúcho.

O robô será capaz de recolher plástico, restos de alimentos e metal, por exemplo (Foto: reprodução/arquivo pessoal)

O robô também poderá funcionar 24 horas por dia.

Devido à pouca divulgação, ainda, o protótipo não chegou ao conhecimento da classe empresarial ou ao setor público para a negociação de investimentos. Mas a perspectiva é encontrar alguém interessado em comprar a ideia em Teresina ou em outras cidades do estado.

O sistema de reconhecimento conseguirá diferenciar um carro, uma moto e uma pessoa no mesmo espaço (Foto: reprodução/arquivo pessoal)

Uma certeza é a que o projeto será executado em Amsterdã, na Holanda, assim que finalizado.

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