Médico acusado de abusar de pacientes está proibido de exercer a profissão

A determinação é do juiz João Bitencourt, da 3ª Vara Criminal

Por Arimateia Azevedo,

O juiz João Bitencourt, da 3ª Vara Criminal, determinou o afastamento, em Medida Cautelar, do médico Felizardo Batista de suas atividades clínicas. O ginecologista é acusado de abusar de suas pacientes durante  anos. 

Felizardo Batista (Foto: reprodução)

A polícia chegou a pedir a prisão de Felizardo Batista, até então um bem conceituado médico em Teresina, diante dos sérios relatos de suas pacientes sobre abuso sexual, mas a defesa entrou com Habeas Corpus. 

Felizardo está proibido de exercer a profissão, de se ausentar de Teresina e deve manter distância de suas vítimas. 

O Ministério Público reforçou o pedido de prisão depois que, em 2017, o inquérito policial conduzido pela delegada Carla Brizzi foi arquivado a pedido do promotor de justiça Raulino Neto, amigo pessoal do ginecologista. 

Denunciado, Raulino Neto sofreu sanção no âmbito do Ministério Público e, ao recorrer ao CNMP, a punição foi mantida, na condição de advertência. 

O promotor inclusive chegou a processar as jornalistas Renayra de Sá, do Portal AZ, Nayara Felizardo, do Portal O Dia (hoje no The Intercept Brasil), e também Lucas Pereira, do Teresina Diário. Perdeu todas as causas.

Entenda o caso 

Felizardo Batista foi indiciado em 2017 ao ser denunciado por abuso sexual a nove pacientes. Em junho daquele ano, o promotor Francisco Raulino Neto pediu o arquivamento do inquérito presidido pela delegada Carla Brizzi, e o juiz Luís Moura, atendeu a solicitação. 

O promotor Francisco Raulino (Foto: reprodução)

Sem ser o promotor da causa, Raulino considerou que o médico denunciado era um profissional renomado. “As provas carreadas para este inquérito policial foram, basicamente, testemunhais. O que se pode constatar foi uma excessiva pressa em indiciar um médico renomado”, afirmou Raulino Neto.

O promotor alegou ainda que a maioria das supostas vítimas não havia denunciado no prazo. Francisco Raulino pôs em dúvida também a veracidade dos depoimentos e sugeriu que a delegada deveria ter colocado vítima e acusado frente a frente para uma acareação. “Muitas versões poderiam ter gerado indagações que não foram feitas e, por isto mesmo, não foram respondidas”, justificou.

CNMP investiga promotor 

O delegado-geral de Polícia Civil do Piauí, à época, Riedel Batista, representou junto  ao MP-PI e solicitou que o órgão adotasse providências disciplinares contra Raulino Neto, titular da 37ª Promotoria de Justiça de Teresina, que respondia pela 53ª.

O conselheiro Erick Venâncio Lima do Nascimento votou pelo acolhimento do Processo Administrativo Disciplinar contra o promotor de justiça Francisco Raulino Neto instaurado pela Corregedoria Nacional do Ministério Público (CNMP), que  teria cometido infração disciplinar e crime contra administração pública ao pedir o arquivamento do inquérito em desfavor do médico Felizardo Batista.

Vitória do jornalismo e das mulheres 

A jornalista Renayra de Sá também se emocionou com a notícia do afastamento do médico, dizendo que essa foi uma vitória do bom jornalismo e de mulheres que diariamente são vítimas de violência. Ela foi absolvida na justiça do processo movido pelo promotor Raulino Neto.

A reação da jornalista

Atualmente em Campinas, repórter do The Intercept Brasil, a jornalista Nayara Felizardo fez emocionante desabafo ao tomar conhecimento da punição ao médico Felizardo Batista. 

Nayara Felizardo, uma das jornalistas processadas pelo promotor amigo do médico (Foto: reprodução)

Ela enviou o texto abaixo falando da sua satisfação em ver o jornalismo triunfando  para os assinantes da newsletter. Leia:

Um médico abusador a menos

Poucas coisas deixam um jornalista tão feliz quanto saber que sua reportagem contribuiu para que um crime não ficasse impune. Há duas semanas eu senti essa emoção. O ginecologista e obstetra Felizardo Batista, acusado de abusar sexualmente de suas pacientes em Teresina, está proibido pela Justiça de atuar como médico. E isso aconteceu depois que publicamos uma reportagem contando a história de parte das mulheres que ele abusou.

Há mais de dois anos, investigo casos de abuso sexual praticados pelo ginecologista, sócio da maior maternidade particular do Piauí, a Santa Fé. Em três décadas de carreira, ele acumulou dinheiro, status, poder e também a certeza de que não seria denunciado. A estratégia funcionou por muito tempo, mas em 2017 uma mulher rompeu o silêncio e denunciou o abuso sofrido à Polícia Civil do Piauí, encorajando mais oito mulheres a fazerem o mesmo.

Um dos profissionais mais renomados do estado, Batista foi indiciado, mas conseguiu se livrar do processo criminal. O inquérito foi arquivado a pedido de Raulino Neto, promotor do Ministério Público do Piauí e amigo de longa data do médico. Ele continuou fazendo consultas ginecológicas e voltou a se sentir seguro para praticar novos abusos. Em outubro de 2018, outra mulher o denunciou à polícia, como mostramos no Intercept no fim do ano passado, o que deu origem a um segundo inquérito. A medida cautelar que proíbe Batista de atuar como médico é parte desse processo, que tramita em sigilo na 3ª Vara Criminal de Teresina. Hoje, quem liga para as clínicas em que ele trabalhava escuta que o médico está de "licença por tempo indeterminado."

Em agosto, o juiz João Bittencourt atendeu a um pedido da polícia, reforçado por um parecer do Ministério Público Estadual, que também queria a prisão do médico. Batista não foi preso por conta de um habeas corpus, mas está proibido de sair de Teresina sem aviso prévio à justiça e também não pode manter contato com as vítimas, parentes e amigos delas.

A reportagem que publicamos foi decisiva para a punição que Batista recebeu agora. A história repercutiu tanto que outras mulheres passaram a me procurar e relatar abusos que também tinham sofrido. Uma delas me contou por que demorou 10 anos para denunciar o que o médico lhe fez.

Um mês após a publicação da reportagem, em janeiro, o juiz Luiz Henrique Moreira Rego reabriu a primeira investigação – até então arquivada a pedido do promotor amigo de Batista – com os depoimentos das nove mulheres que tinham denunciado o médico ainda em 2017. O juiz considerou que o surgimento de novas vítimas reforçava os indícios do crime, "sendo, portanto, pertinente, justo e necessário o desarquivamento dos autos". Esse processo foi encaminhado para a 8ª Vara Criminal de Teresina e ainda está em andamento.

A situação do promotor Raulino Neto, aquele que quase conseguiu engavetar a investigação contra o amigo, também não é das melhores. No dia 2 de agosto, quatro membros da corregedoria do Ministério Público do Piauí votaram por puni-lo com censura, uma advertência formal que fica registrada na folha do servidor. Ele ainda responde a um processo administrativo disciplinar no Conselho Nacional do Ministério Público.

Casos como esses, apesar de graves, não costumam ganhar as manchetes dos grandes veículos. Eu me formei em jornalismo no Piauí e sei bem que as pautas do nordeste são tratadas como menos importantes pela imprensa nacional. Não no Intercept. Aqui nós valorizamos a história e vamos buscá-la onde ela estiver. Saber que outras mulheres não passarão mais pelas mãos assediadoras de um médico como esse me motiva e me faz acreditar no poder do bom jornalismo. E vocês são parte desta história!

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