Na falta de prova em grampo telefônico, advogado chama o caso Arimateia Azevedo de crime impossível
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O jurista Miguel Dias Pinheiro enfoca, no seu artigo de hoje (29), a informação de que a Polícia Civil não encontrou nada relevante no grampo que fez no celular do jornalista Arimateia Azevedo. No artigo, Miguel classifica o que a polícia atribui ao jornalista de “crime impossível”.
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Jornalista Arimateia Azevedo (Foto: Portal AZ)
Leia, na íntegra:
CASO ARIMATÉIA – Crime Impossível
(Por Miguel Dias Pinheiro, advogado)
A surpreendente informação/investigação policial de que “nada foi encontrado de relevante” na perícia técnica realizada no(s) aparelho(s) telefônico(s) do jornalista Arimatéia Azevedo, remete o jurista à convicção de que estamos, efetivamente, diante de um “crime impossível”, tese jurídica pouco discutida no universo forense.
Por se tratar de crime que deixa vestígios, no caso a suposta extorsão, a perícia técnica concluindo pela irrelevância da prova acusatória desmonta por completo o suposto crime atribuído ao jornalista. Que, diga-se de passagem, sustentou-se apenas na palavra dúbia e controversa de um suposto delator, cujas declarações se ressentem de comunicação e ratificação pela prova das provas, a perícia criminal conclusiva que não demonstrou a relevância da materialidade.
Em que pese a limitação do espaço, tentaremos fazer uma análise sintética sobre a figura jurídica do “crime impossível” em confronto com o caso concreto Arimatéia Azevedo.
1 – Após a irrelevância detectada pela prova pericial, trata-se de um suposto crime putativo (animosidade) por obra e arte da suposta vítima (criação), tida e havida, no caso concreto, como agente provocador da investigação;
2 – Após a irrelevância constatada pelo instrumento do suposto crime, operou-se o que chamamos no Direito Penal de “inidoneidade absoluta do meio executório”, embora o objeto jurídico exista, mas que não ocorreu qualquer criação de risco, não havendo, portanto, imputação objetiva da conduta;
3 – Se a materialidade não encontrou sustentáculo na idoneidade do meio (objeto) para lesar determinado bem jurídico, estamos tratando, portanto, de “crime impossível”;
4 - A idoneidade do objeto (telefonema) deve ser identificada no momento da ação da suposta conduta delituosa; fases anterior e posterior;
5 - Caso o meio ou objeto seja concretamente inidôneo para a consecução, antes da ação em si, temos configurado o “crime impossível”, inapelavelmente!
A tese é complexa e exige do jurista e do operador do Direito uma análise acurada para, abstratamente, deslocar-se para cada caso concreto. Na dúvida, portanto, impõe-se a absolvição. No caso, a perícia conclusiva pela irrelevância do objeto impõe, inclusive, o indeferimento “in limine” da acusação.
Uma coisa é certa: a perícia acabou provando a ineficácia absoluta do meio. O “crime impossível” tem dois núcleos distintos, a saber: "ineficácia do meio ou impropriedade do objeto”. O meio empregado (telefone), como nos ensina Rogério Greco, em seu festejado “Curso de Direito Penal: parte geral”, vol. I, Niterói, RJ, Impetus, 2017, deve ser entendido como tudo que seja utilizado com a pretensão de produzir o resultado desejado.
Ora, após a prova pericial telefônica, que concluiu pela irrelevância do conteúdo, estamos, então, diante de um “quase-crime”, de um “crime oco”,... Que, indubitavelmente, desemboca para o “crime impossível”, previsto no art. 17, do Código Penal.
A prova pericial telefônica mostra, à saciedade, que o comportamento do jornalista fora inapto a produzir uma consumação criminosa, quer em razão do meio empregado, quer por falta do objeto material. Observe-se que o “crime impossível” tem os seguintes elementos: início da execução; não consumação por circunstância alheia à vontade do agente; dolo de consumação; e resultado absolutamente impossível de ser alcançado como constatou a perícia.
Após a irrelevância constatada, imperativamente, faz-se necessário entender com exatidão e com imparcialidade quais atos são puníveis no caminho do crime no caso concreto, delimitando-se, para tanto, o início da execução e da consumação. Porém, como será feito isso? Dado que a perícia demonstra a irrelevância telefônica!
Observe que a prova perícia favorável ao denunciado acaba por demonstrar uma suposta atividade criminosa que sequer nasceu, sequer percorreu um caminho para desaguar na execução do crime.
Conclusão: a perícia telefônica desmonta a tese do crime que deixa vestígios.
Em Direito Penal a regra geral é que os atos preparatórios não são puníveis. No caso Arimatéia Azevêdo sequer existiram! Como constatou a prova pericial. Na suposta extorsão, para ser punível, as provas devem se comunicar em entre si. Máxime os apetrechos do suposto crime. A melhor doutrina aconselha que somente se diz que os atos preparatórios são puníveis quando erigidos a tipos penais, ou seja, quando consistirem em uma infração descrita na lei penal. Logo, todos os atos preparatórios que não ingressem e não se interagem na esfera da figura típica não são puníveis.
Já me encaminhando para a conclusão, a ausência de relevância no conteúdo telefônico detectada pela perícia no que chamamos de “iter criminis” atesta uma “zona cinzenta” no caso do jornalista, que agora começa a clarear.
Para José Maria Silva Sánchez, em “El nuevo código penal: cinco cuestiones fundamentales”, Barcelona, Bosch (traduzido), é sumamente importante em casos como tais fazer-se a distinção entre atos preparatórios e atos de execução. No caso concreto sob análise, a perícia telefônica sequer chegou a constatar os atos preparatórios. Se assim o foi, apesar do “crime impossível”, pode-se afirmar com segurança que sequer existiu crime propriamente dito.
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