Jurista comenta decisão do STJ que concedeu prisão domiciliar ao jornalista Arimateia Azevedo

"Começaram a corrigir um erro gravíssimo", afirma Miguel Dias sobre o caso

O jurista Miguel Dias voltou a analisar o caso Arimateia Azevedo, desta vez, sobre a decisão do ministro João Otávio de Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que concedeu na noite desta sexta-feira (24) prisão domiciliar ao jornalista. Na quinta-feira (22), o colunista do Portal AZ se apresentou à polícia e foi encaminhado para a penitenciária Irmão Guido. 

STJ concede prisão domiciliar ao jornalista Arimateia Azevedo (Foto: Portal AZ)

Em seu texto, Miguel Dias afirmou que existe uma questão processual bem interessante e que o STJ começou a corrigir um 'erro gravíssimo'. "É inadmissível que se possa emprestar ao habeas corpus um efeito constritivo ao direito de liberdade para que, ao invés de liberar o paciente ou manter seu “status quo”, possa mandá-lo ao cárcere mais duramente", disse. Leia abaixo o artigo na íntegra. 

Caso Arimatéia – A defesa tem a palavra!

A decisão do ministro presidente do colendo Superior Tribunal de Justiça, concedendo liminar para que o jornalista Arimatéia Azevedo retorne à prisão domiciliar, mostra uma questão processual bem interessante.

O pedido foi concedido “em parte”. Quando ocorre esse tipo de concessão liminar em pedido de Habeas Corpus, o magistrado prolator – para não esgotar todos os fundamentos do pedido submetidos à Corte – observa, desde logo, o princípio da verossimilhança, que em linguagem jurídica escorreita quer dizer atributo daquilo que parece intuitivamente verdadeiro, atribuído a uma realidade portadora de probabilidade e de verdade. Em outras palavras, a concessão em parte do pedido em habeas corpus encaminha o caso para plenário para que seja examinada a concessão integral do direito à liberdade, a que chamamos de concessão "in totum".

O juízo de verossimilhança nada mais é do que um juízo de probabilidade. Pouco mais do que o inequívoco, verossimilhança vem a ser um nível de convencimento elevado à possibilidade e inferior à probabilidade.

Por que a verossimilhança é melhor do que a verdade? Gustavo Bernardo, doutor em Literatura Comparada, dedica-nos a seguinte lição: "Há milênios, Aristóteles afirmava: é melhor o verossímil que convença à verdade que não convença".

A decisão do ministro comprova, à saciedade, que a Justiça do Piauí não poderia ter aplicado ao caso Arimatéia Azevedo a cláusula da “reformatio in pejus”, transmutar uma prisão domiciliar para preventiva.

Tem-se, no caso, que a tutela concedida em parte pelo ministro mostra às claras o nível de probabilidade que decorre da prova inequívoca e insofismável de que o jornalista piauiense sofre coação e constrangimento ilegal inconcebível. O certo é que a antecipação da tutela pelo ministro, ainda que em parte, repita-se, escancarou de vez a intensa probabilidade apta a induzir a absorção absoluta entre esta probabilidade e a verossimilhança do direito violado atinente à liberdade integral do jornalista.

Quando enfrentamos e nos aprofundamos no conhecimento das questões de direito insertas a determinado pedido de habeas corpus, como instrumento constitucional liberatório altaneiro do Direito Penal, a verossimilhança se caracteriza pela coerência da narrativa do pedido feito em juízo, ou seja, pela sequência harmoniosa do direito aplicável à espécie levada ao crivo judicante.

O caso Arimatéia Azevedo, como qualquer outro assemelhado, diga-se de passagem, exige acuidade jurídica para que não se cometam deslizes na aplicação da lei, cujo objetivo da impetração é buscar o benefício e não o prejuízo.

A finalidade do habeas corpus é sempre liberatório. Não o contrário. Não de segregar mais fortemente o paciente. Portanto, decidir no habeas corpus para fins diversos é afrontar o Estado de Direito.

“A liberdade individual ou pessoal, que é a liberdade de locomoção, a liberdade de ir e vir, é um direito fundamental, que assenta na natureza abstrata e comum do homem. A todos é necessária; ao rico e ao indigente; ao operário e ao patrão; ao médico e ao sacerdote; ao comerciante e ao advogado; ao Juiz e ao industrial; ao soldado e ao agricultor; aos governados e aos governantes. O direito de locomoção é uma condição ‘sine qua non’ do exercício de uma infinidade de direitos. Usa o homem da sua liberdade de locomoção para cuidar da sua saúde, para trabalhar, para fazer seus negócios, para se desenvolver científica, artística e religiosamente” (síntese do texto do Supremo Tribunal Federal na criação do habeas corpus no nosso arcabouço jurídico).

É defeso (proibido) a qualquer juízo descaracterizar o instituto do habeas corpus. Sobretudo para prejudicar o paciente, que não fez pedido no sentido de agravar sua situação de segregação. O habeas corpus não é qualquer pedido. Não é recurso e nem tampouco incidente para que o paciente tenha sua situação processual piorada. Trata-se de ação constitucional destinada a coibir ilegalidades ou abuso de poder voltados à constrição da liberdade de locomoção.

Para Pontes de Miranda, em sua consagrada obra “História e prática do habeas corpus”, Borsoi, tomo I, pág. 192, o remédio heroico constitucional “é o pleito de prestação jurisdicional em ação preponderantemente mandamental”.

Realmente, diz o procurador da República Rogério Tadeu Romano, “é insustentável a conceituação do habeas corpus como recurso. O habeas corpus pode nascer fora do processo, ao contrário do recurso, que nasce sempre no processo; o recurso pressupõe o duplo grau, o habeas corpus não; o recurso supõe a existência de coisa julgada e visa atacar decisão recorrível, o habeas corpus não é passível dessa limitação e pode ser interposto para rescindir a coisa julgada, fazendo as vezes de verdadeira revisão criminal. Tal será o caso de habeas corpus para impedir execução penal, diante de extinção da punibilidade tendo em conta a incidência da prescrição. O habeas corpus pode ser ajuizado para anular todo o processo criminal, determinando o trancamento da persecução penal, diante de condenação mesmo face a nítida ausência de prova de corpo delito”.

Portanto, o STJ começa a corrigir um erro gravíssimo. Porque é inadmissível que se possa emprestar ao habeas corpus um efeito constritivo ao direito de liberdade para que, ao invés de liberar o paciente ou manter seu “status quo”, possa mandá-lo ao cárcere mais duramente.

Advogado do século, o saudoso piauiense Evandro Lins e Silva, jurista consagrado e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, com sua entonação de voz, com seus gestos característicos de exímio orador, proclamou em um encontro jurídico no Rio de Janeiro: “Liberdade! Liberdade! Habeas Corpus sobre nós!”

Em tempos marcados pelo desrespeito às garantias constitucionais, recorro a Djefferson Amadeus, mestre em Direito e Hermenêutica Filosófica, segundo o qual “o mais cômodo tem sido esperar; que o cliente morra ou cumpra a pena -, tudo, claro, para não correr o risco de “ficar mal” com o juiz da causa. Há quem consiga depois disso - e não são poucos! - ir para casa; e dormir (...) Ponho-me a refletir o que os gigantes de outrora, tais como George Tavares, Evaristo de Moraes, Evandro Lins e Silva, Sobral Pinto, Heleno Fragoso, Augusto Thompson, entre outros que tinham a advocacia combativa como marca de suas histórias, teriam a dizer sobre isso”.
 
“A defesa tem a palavra!” (Evandro Lins e Silva).

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